FB Instagram

Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 21)

• Por Alfa Romeo Clube do Brasil
Capítulo 21 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 21)

CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro

(CAPÍTULO 20)                                                                         Por Alberto Maurício Caló 

CONTINUAÇÃO QUADRO DE PILOTOS


Vamos tratar de dois dos principais concorrentes nacionais, nosso lendário Chico Landi e seu irmão Quirino, ambos inscritos pela Escuderia Excelsior


CHICO LANDI

Brasil

Equipe: Escuderia Excelsior

Carro: Fiat “adaptado” (Rosa Especial – Fiat)


É importante, antes de mais nada, notar que a presença de Chico Landi na Gávea de 1937 foi objeto de um suspense pelo trágico evento do falecimento de sua primeira esposa, o que colocou sua participação em dúvida até o último momento. Em 1951 Chico se casaria novamente com Maria Aparecida.



Quirino e o jovem Chico Landi (de jaqueta) que estava vivendo um drama pessoal


QUIRINO LANDI

Brasil

Equipe: Escuderia Excelsior

Carro: Bugatti T 37 A


Quirino Landi foto: Correio da Manhã 6/6/37

 

QUIRINO Luiz Francisco Landi ou Quirino Landi ou Querino Landi (1903-1950) era o irmão mais velho de Francisco Sacco (“CHICO”) Landi (1907-1989) e na Gávea de 1937 ambos estavam correndo pela mesma escuderia Excelsior de Dante di Bartolomeo. Como nosso foco é relatar a carreira dos pilotos da Gávea até a época da corrida, sem exagerar em detalhes posteriores, podemos falar dos irmãos de forma entrelaçada, sendo certo que a carreira posterior de Chico merece um livro à parte por ter sido um dos maiores ídolos do automobilismo brasileiro 

Filhos do imigrante italiano Pasquale Landi, bem estabelecido no Brasil como empreiteiro de obras de terraplenagem, os irmãos Landi (Esperança, Quirino, Francisco, Afonso e Paschoal) tiveram uma infância tranquila, mas com a morte prematura do pai, Quirino logo aprendeu o ofício de mecânico e Chico mais tarde seguiu seu caminho, de forma que já estavam trabalhando no mesmo ofício e em determinados momentos em uma mesma oficina. Em algum momento Chico chegou a trabalhar também na montagem de carros Ford, Chevrolet e depois dos caminhões REO em São Paulo para em seguida abrir sua oficina. Ambos eram frequentadores dos “rachas” (corridas de rua) entre mecânicos e motoristas de praça.  Depois de se exercitar no Hupmobile de Quirino, Chico se tornou ele mesmo um competidor. A partir de certo momento Chico usou seu Chevrolet 1928 para essas “competições” informais. 

Algumas fontes relatam que Chico tentou se inscrever na primeira Gávea de 1933 com um Ford adaptado de um amigo, mas não conseguiu aprontar o carro a tempo e com toda a certeza não chegou a lagar (o que se confirma por todas as listas de pilotos inscritos e que largaram). Mesmo assim em 1933 ainda não estavam nas pistas os novos Fords V-8, sendo que alguns pilotos se utilizavam da base do Ford A (1927-1931) com seu 4 cilindros de 3,3 litros muito populares no Brasil e generalizados como “Ford 29” (independente do ano de fabricação exato). O único Ford na prova da Gávea de 1933 era o de Primo Fioresi. 

De qualquer modo, precedidos por sua fama de mecânicos/preparadores e corredores, em algum momento por volta de 1933 ou início de 1934 Chico e Quirino se integraram como pilotos e mecânicos na Escuderia Excelsior.


A ESCUDERIA EXCELSIOR

Antes de adentrar na participação dos irmãos Landi na Gávea de 1937 cabe um esclarecimento sobre a Escuderia Excelsior. Já desde 1934 os irmãos Landi vinham participando das mais importantes provas nacionais e também de algumas internacionais sob manto da Escuderia Excelsior de Dante di Bartolomeo. A investigação é interessante, porque Dante di Bartolomeo não só fundou um Automóvel Clube, como organizou uma Escuderia de competições automobilísticas, identificou alguns dos maiores talentos do automobilismo brasileiro da época e fez incursões internacionais em representação oficial do Estado de São Paulo nas competições. Obviamente já existiam associações ou equipes informais e ainda grupos de simpatizantes suportando financeiramente os pilotos. Mas a Excelsior era uma organização mais formal que assim se identificava ao inscrever seus carros e pilotos nas listas das provas da época.

O italiano Dante di Bartolomeo já era um empresário de sucesso na região de Campinas SP e seus negócios principais estariam relacionados ao comércio de açúcar, conforme os almanaques da época.  Seu interesse pelo automobilismo e a constituição de uma equipe dedicada ao esporte com pilotos/preparadores contratados, participando de um calendário nacional e internacional (sul americano) colocam a Escuderia Excelsior em um patamar distinto no automobilismo nacional da época.


Foto: Os Almanaques da época noticiavam Dante di Bartolomeo como negociante de açúcar em Campinas SP.



Foto: Correio do Paraná setembro de 1935.



Foto: Rara imagem de Dante di Bartolomeo fotografado pelo Diário Carioca de 7/2/36

Dante di Bartolomeo foi o primeiro presidente do ACESP e o fato é que além dos irmãos Landi, Dante di Bartolomeo também identificou o talento de Benedicto Lopes ainda mecânico trabalhando em sua oficina. Um pouco mais adiante trataremos da história de Benedicto Lopes.

Dante di Bartolomeo participou, ele mesmo, da Gavea de 1934 com um Alfa 6C 1750 deixando o Bugatti T 37 A para Chico Landi. Eventualmente nessa mesma prova de 1934 Di Bartolomeo emprestou um outro Bugatti para Benedicto Lopes estrear na Gávea. Lopes seguiu seus caminhos próprios como um dos principais pilotos brasileiros e em algum momento Quirino (ou Querino), o irmão mais velho de Chico, foi incorporado à função de segundo piloto da equipe.

No ano seguinte, 1935, parece que se estabeleceu uma hierarquia da Chico como primeiro piloto sempre no carro mais atualizado da equipe e Querino como segundo piloto “assumindo” os carros que eram anteriormente pilotados por Chico. Atuava também como mecânico chefe e eventual segundo/terceiro piloto ou “piloto-reserva” Odilon Barcelos Assim, apareceriam na temporada de 1935 e inclusive na Gávea daquele ano, Chico no Bugatti T 37-A e Querino no Alfa 1750 estabelecendo a hierarquia da escuderia e ainda Odilon Barcellos que estava em um Bugatti-Chevrolet (possivelmente o Bugatti mais velho da equipe usado por Lopes no ano anterior e agora “atualizado” com um motor chevrolet). Nessa Gávea de 1935 Chico começou a mostrar seu talento a nível internacional, chegando disputar os primeiros lugares na prova que, no entanto, não terminou.

Buscando atualização de equipamento a Escuderia Excelsior comprou em seguida à Gavea de 1935 o monoposto com mecânica Fiat de Vittorio Rosa com o qual o ítalo-argentino fez o melhor tempo para a largada e classificou em terceiro lugar na gávea de 1934 e tornou a se apresentar na Gávea de 1935, quando quebrou antes de completar a primeira volta. (não confundir com o Fiat vencedor de Ricardo Carú)

Obviamente impressionado com o monoposto (originalmente biposto) de Vittorio Rosa e sua brilhante atuação na Gávea de 1934, Di Bartolomeu comprou o carro de Rosa.  

Possivelmente a aquisição da Escuderia Excelsior se deu logo após a Gávea de 1935.

Rosa estaria comunicado de uma penalidade de suspensão de sua licença pelo Automóvel Club Argentino e resolveu se desfazer de seu carro mediante a incerteza da continuidade de sua carreira esportiva. Uma proposta da Escuderia Excelsior pelo carro veio “a calhar”. Fato é que a suspensão não durou muito e Rosa voltaria para o Brasil já em 1936 com outro “especial” com motorização Hispano Suiza. 

Conforme noticiado pelo Correio de SP de 13/6/35, a Escuderia Exclesior, já estava presente para sua prova “em casa”, o primeiro Circuito do Chapadão em Campinas SP . A se notar que a Escuderia Excelsior funcionava na “Garage Automóvel Club” em Campinas. Vide notícia abaixo:


Naturalmente o carro “marca Excelsior” é o Especial Fiat com que Chico ganhou a prova com brilhantismo.  No “Bugatti Grand Prix” (um Bugatti T 37-A) Querino não terminou a prova e segundo os dados oficiais a Alfa 1750 da equipe não chegou a competir.

Após o primeiro Circuito do Chapadão em Campinas em 23/6/35, foi fundado o  Automóvel Club do Estado de São Paulo- ACESP em 30/6/35 por Dante di Bartolomeo, Quintino Maudonet, J. Sampaio Freire e Luiz Gonzaga Góes

Não confundir com o Automóvel Club de São Paulo, mais antigo e mais aristocrático, fundado em 1908 fundo por um grupo de entusiastas entre os quais Antonio Prado Jr., o Conde Sylvio Alvares Penteado, Clóvis Glicério e outros.

O ACESP presidido por Dante di Bartolomeo atuando em conjunto com o Automóvel Clube de Minas Gerais se propôs a organizar o “`Prêmio Thermal de Poços de Caldas” na última semana de março em março de 1936 onde se previa a participação de Vittorio Rosa conforme noticiado pela “Revista de Poços de Caldas” de fevereiro de 1936.

Em seguida a Excelsior participou de diversas provas, inclusive a Gávea de 1936 onde o Especial Fiat de Landi e o Bugatti de Quirino não apareceram com qualquer destaque e o GP de São Paulo, onde Quirino não largou e Chico se destacou com uma largada “fulminante” a partir da quarta fila do grid (10º lugar) para tomar a ponta ao fim da primeira volta e começar a ser desalojado pelos carros mais potentes até surgirem os problemas mecânicos com seu Especial Fiat. Mesmo assim deu o “recado” de seu talento. Ainda em 1936 a Excelsior excursionou para representar o Brasil no Grande Prêmio Nacional de Montevideo no Uruguai onde inscreveu Chico Landi no Bugatti, mas notando a precariedade das estradas onde seria desenvolvida a prova, comprou às pressas um Ford 29 (modelo A) com que Chico obteve um bom sexto lugar, partindo para as 500 milhas de Rafaela na Argentina com o Rosa Especial Fiat, onde Chico não passou das primeiras voltas.

Embora não tenham sido os pioneiros em termos absolutos pois ao menos Irineu Correia já tinha sido visto correndo na Argentina no Grande Prêmio Nacional em 1927 e 1929 certo é que a Excelsior inscreveu Chico e Quirino na Argentina por alguns anos em sequência a partir de 1936 com diferentes carros. Sempre se notando que outros pilotos da Gávea de 37 como Teffé, Cicero Marques Porto e posteriormente Arthur Nascimento Júnior também andaram pelos pampas na mesma época e/ou nos anos seguintes.

 

O CARRO DE QUIRINO NA GÁVEA DE 1937

Conforme constatamos sempre houve na imprensa da época uma certa tendência em divulgar todos os Bugattis da Gávea de 1937 como modelos T 37-A e conforme já discorremos acima e tornaremos a discorrer em próximos capítulos, nem todos os Bugattis eram desse modelo. Para complicar a questão alguns nem seriam muito bem identificáveis devido ao fato que os envelhecidos Bugattis já sofriam com um certo intercâmbio de peças e motores de diferentes modelos, ou – pior ainda- recebiam alguma motorização americana. De qualquer modo é necessário notar o carro de Querino na Gávea de 1937 em sua longa e profícua carreira na Escuderia Excelsior sempre foi citado em várias provas (quando houve acesso à lista de inscrição) como um T37-A.  Sua estética, inclusive com rodas de raios de arame, também parece ratificar a essa identificação. 

O Bugatti Type 37 surgiu como irmão menor do lendário Type 35, Ao invés de 8cilindros em linha tinha um motor de 4 cilindros em linha (aprox. 1.500cc) com um único comando de válvulas no cabeçote muito robusto e bem adequada para as longas provas em circuitos de estrada. Embora partilhasse muitos elementos em comum com o irmão maior ( concepção de chassis e suspensão) o Tipo 37 era menos potente, porém mais leve e naturalmente uma opção mais barata. Mas apenas um ano e meio após seu lançamento em 1926 a Bugatti passou a oferecer o 37A com compressor e potência que saia dos 60 hp originais e ia para faixa dos 80 a 90 HP a cerca de 5.000rpm.  Ainda assim o T 37 A  era então uma opção mais barata e de manutenção mais simples com relação ao próprio tipo 35 e foi visto nos Grand Prix da época disputando com o irmão maior e os carros das marcas rivais. O tipo 37-A vinha mais comumente rodas raiadas mas opcionalmente poderia vir com as rodas de alumínio com freios a tambor integrados característicos do tipo 35.

Curiosamente o conhecido especialista Michael Muller informou que a maioria dos Bugattis de competição na América do Sul eram T 35 A (doze carros) contra quatro T 37-A e quatro de outros tipos. 

A investigação sobre os pilotos com Bugattis na Gávea de 1937 partiu da premissa que de acordo com algumas listas estariam todos eles (todos T37-A) na Gavea de 37 o que nos levou, naturalmente à constatação de que seria difícil essa hipótese. Naturalmente outros modelos foram identificados a partir do excelente livro de Estanislao Iacona e Chris Bertschi (Bugatti- Argentina) que narra muito bem os Bugattis dos volantes argentinos que passaram pela Gávea.

A numeração de chassis dos T37 sempre se inicia por 37... (mais três números). Pelas fontes cerca de 65 ou 67 Bugattis T 37 A foram construídos. Como pelos anos afora os T37A de 1,5 litros com compressor se encaixavam no regulamento de “voiturettes”, até a segunda guerra mundial eles foram vistos tanto nas provas européias desde sua produção (1927-1930) e de forma contínua até o conflito, e o mesmo fora da Europa onde os regulamentos eram “livres” na maioria dos países.

Mesmo após uma revisão dos registros de chassis de Bugatti, cujos clubes de proprietários e aficionados são muito bem organizados, não se tem referência sobre o exato número de chassis do T37-A da Excelsior, mas sua presença continua nas provas e seus longos anos de bons serviços e sua identificação constante nas listas de inscrição, somadas à algumas características estéticas levam a crer que se tratava efetivamente de um modelo T 37-A


Foto: No início de 1937 a Escuderia Excelsior foi disputar o Circuito do Cristal em Porto Alegre com seus carros habituais, o Especial Fiat de Chico Landi (“solo”) e o Bugatti T-37-A de Quirino Landi (com mecânico). Apesar de não ter sido uma excursão bem sucedida, Quirino é visto acima em foto do magnífico livro “Circuitos de Rua” de Paulo Scali.

 

 O CARRO DE CHICO NA GÁVEA DE 1937

Via de regra não vamos nos alongar sobre a história posterior dos carros que participaram da Gávea de 1937, mas a história do carro de Chico Landi é das mais pitorescas e divertidas e virou tema de uma intensa investigação porque aparentemente o carro não só sobreviveu, como também atualmente ainda estaria no Brasil, ao passo que outros carros europeus da Gávea de 1937 ou voltaram imediatamente ou sobreviveram na América do Sul mas acabaram reexportados nos anos 60/70/80 quando se tornaram grandes raridades disputadas ardentemente pelos colecionadores

Um Fiat Grand Prix?

Inicialmente é preciso praticamente descartar que o carro de Vittorio Rosa se tratasse de um Fiat Grand Prix autêntico. 

A Fiat era uma marca de excelência e tinha ampla gama de carros desde mais populares aos mais luxuosos, passando por carros de corrida e esportivos.

 A se recordar que foi em um Fiat que o Conde Sylvio Alvares Penteado famosamente ganhou o Circuito de Itapecerica da Serra em 1908, tida e havida como a primeira corrida formalmente organizada do Brasil.

Dentre os Fiats de competição no Brasil sempre houve referência ao Fiat de Júlio de Moraes que participou da primeira prova da Gávea em 1933 e no mesmo ano venceu o quilômetro lançado na Rio-Petrópolis em 1933 e muitos sugerem que esse carro, extensamente modificado por Júlio de Moraes e denominado “De Moraes-Fiat” fosse ainda um dos antigos Fiat S 61 ou S74 da década de 1910. Não vamos nos estender sobre esse carro porque as imagens dão claramente a entender que, sendo ou não um legítimo S61 ou S74 de competição, esse Fiat era obviamente um carro de geração anterior que não se confunde com os Fiats esportivos / de competição posteriores.

Voltando aos legítimos “Fiats Grand Prix” os penúltimos Fiat Grand Prix foram o 804 de 1922 com o motor 404 de 6 cilindros, 2 litros e o 805 de 1923 com o motor tipo 405 (2 litros, 8 cilindros com compressor) e produzindo de 135 a 145 hp a 5.500 rpm (conforme o compressor usado). 

Um dos Fiats 805 “Grand Prix” tem uma curiosa passagem pela América do Sul.

 

Foto: O Fiat 805 foi supostamente o único legítimo Fiat Grand Prix da década de 1920 visto na América do Sul. Inicialmente o carro saiu da Itália os Estados Unidos participando em duas provas Culver City a partir de dezembro de 1924, daí para Charlotte em março de 1925 e, por fim, as 500 Milhas de Indianápolis em 30 de maio de 1925, prova na qual Pietro Bordino largou em oitavo e chegou em décimo lugar.

Em seguida Bordino foi liberado para uma “tournée” de exibições na América do Sul, mas proibido de participar de corridas com o carro.

Assim o famoso piloto italiano se limitou a demonstrações de velocidade. No Brasil teria atingido 191 Kms/h no Rio de Janeiro (local não identificado) 

De forma mais especifica, “A Gazeta” de 3/10/25 noticiou também a presença de Bordino em São Paulo para uma apresentação com apoio da Casa Matarazzo, importadora da Fiat na época. O Fiat 805 teria ficado em exposição na Praça da República e em 4/10/25, entre 11:30 e 12:00hs, Bordino seria autorizado a fazer voltas de exibição na Av.  Paulista. 

Embora a “Gazeta” anunciasse que o Fiat chegaria a vertiginosos 220 Kms/h, as fontes disponíveis dão conta que a velocidade máxima alcançada em São Paulo foi de 185 Kms/h. Os motoristas que hoje trafegam no trânsito pesado da Av. Paulista não podem nem imaginar alguém a essa velocidade por lá. 

Em seguida Bordino se apresentou na Argentina onde atingiu cerca de 192 Km/h em uma autoestrada no trecho entre Morón e Belavista (foto acima). Notem que o carro ainda ostentava o número 22 usado em Indianapolis. 

Voltando a nosso tema, não consta que a 805 teria ficado na América do Sul.  Visto o “ciúme” da fábrica sobre eventual cópia de suas soluções técnicas e as restrições impostas a Bordino, o carro realmente deve ter retornado com ele a Turim, aos braços da “mamma” Fiat.

No meio tempo a Fiat produziu o 803, feito para a categoria de baixa cilindrada, que tinha o motor 403 de 1,5 litros, 4 cilindros com compressor. 

É preciso que se diga que a Fiat também não tinha o habito de vender ou repassar seus carros a pilotos privados como era o caso da Bugatti, Alfa etc.

De qualquer modo os  Fiats 803. 804 e o 805 são concepções de chassis e motor bem diferentes do carro de Vittorio Rosa e depois de Chico Landi.

Também é preciso se descartar desde logo a hipótese de ser um Fiat 806 Grand Prix. O Fiat 806 foi o1 ultra sofisticado “canto do cisne” da Fiat em matéria de carros de Grand Prix com um motor de doze cilindros de 1,5 litros com compressor feito para as temporadas de Grand Prix de 1926/1927.

O 806 foi visto pouquíssimas vezes em treinos e apenas nas mãos dos tradicionais pilotos titulares da FIAT dos anos 20, entre os quais o veterano Felice Nazzaro e o então mais jovem Pietro Bordino.  Com Bordino a 806 participou e ganhou sua única corrida no GP de Milão disputado no autódromo de Monza em 4/9/27.

O 806 foi eventualmente construído em uma? ou  duas? ou, no máximo, três unidades.  Três unidades é uma mera hipótese pelo fato de que, depois da prova em Monza, a Fiat reconhecidamente inscreveu de três carros para Nazzaro, Bordino e Carlo Salamano no RAC British GP em Brooklands, prova à qual a Fiat, por fim, não compareceu. 

Segundo os vários historiadores da marca é notório que o controlador e “patrão” da Fiat Giovanni Agnelli (o avô) mandou destruir os exemplares do 806 em 1927 e ordenou a retirada das competições, por estar desgostoso com a morte sucessiva de seus pilotos bem como com a perda de seus engenheiros para marcas rivais (principalmente a Alfa Romeo que ficou com o célebre Vittorio Jano).

Visto que os 803, 804 e 805 eram carros de geração anterior (carros de chassis mais alto e mecânica diferente) e os 806 eram carros mais modernos mas feitos em pouquíssimas  unidades (ou em exemplar único), com mecânica ultra sofisticada e depois notoriamente destruídos, desde já somos levados a crer que o carro de Vittorio Rosa não era um legítimo Fiat Grand Prix.

Outro ponto a descartar também é a hipótese de que o carro de Vittorio Rosa fosse um dos Fiats Balilla “especiais” que começaram a circular no início dos anos 30 em provas de carros esportes e alguns transformados até em bipostos ou monopostos de corrida.

Então vamos ter que investigar a figura de Vittorio Rosa para traçar as origens do carro de Chico Landi na Gávea de 1937

Vittorio Rosa

Dito isso, é preciso indagar a origem de Vittorio Rosa (também referido como Victorio Rosa). Italiano radicado na Argentina, Vittorio Rosa, natural de Milão, foi o mecânico-piloto escolhido para fazer algumas atuações de apresentação da lendária Alfa  Romeo P-2 Grand Prix na Argentina como “estratégia de marketing” do então “novo representante” da Alfa Romeo da Argentina, Giovanni ou “Juan” Alberto Roccatagliata, 

Roccatagliata era o sucessor de Eduardo Carù da família Carú-Costa, primeira representante da marca Alfa Romeo na Argentina.

Vittorio Rosa (1896- ?) era um piloto de testes e mecânico da grande equipe Alfa Romeo dos anos 20 que contava, estre outros, com Antonio Ascari, Giuseppe Campari e Gastone Brilli-Peri. No entanto, Rosa participou de provas menores mas famosamente venceu as Eiffelrennen na Alemanha em 1925 com uma Alfa Romeo RL


Como piloto ou como mecânico, Vittorio Rosa devia conhecer muito bem as Alfas P2 e ter tido contato com as Bugattis e com os carros mais especiais de chassis rebaixado da nova formula de Grand Prix de 1926/27 como os Sunbeam-Talbot, o FIAT 806 e os Delage 1.5 S-8.

O Sunbeam-Talbot, o Delage e depois o Fiat 806 já tinham uma técnica de chassis que permitia acomodar a suspensão e o “berço” do motor em posição rebaixada, fazendo com que aparecessem carros em que o piloto podia ficar em posição de pouca altura e baixando o centro de gravidade do carro como um todo.

Na ação promocional da Alfa Romeo Argentina, Rosa foi escolhido “a dedo” pois além de piloto era também mecânico e conhecia muito bem o Alfa Romeo P2 com o qual correu (segundo informações disponíveis) em 5/9/27 no Circuito de Esperanza            (Santa Fé)  onde abandonou após perder uma roda e em San Martin, onde teria obtido uma vitória em 31/12/27 

Como tantos italianos, Vittorio Rosa ficou “encantado” com a Argentina e após uma breve volta à Europa resolveu se mudar para a Argentina se fixando inicialmente em Buenos Aires e depois abrindo uma oficina em Rosario onde se dedicou à manutenção e preparação de carros esportivos e de corrida e voltou a competir como piloto. (foto abaixo, Rosa na Alfa P2)


Além de sua experiência européia, certamente Rosa deve ter visto (e se inspirado) em legitimos carros europeus de Grand Prix que corriam na Argentina

Assim, Rosa teve belos carros de Grand Prix (Alfa, Bugatti, Delage e Maserati) para se inspirar suas futuras “criações” e principalmente a Alfa P2 com a qual correu e deve ter observado em detalhes chassis e suspensão bem como outros bons carros de Grand Prix correndo na Argentina no final dos anos 20.

Vittorio Rosa era conhecido por ser um hábil mecânico/preparador/piloto de automóveis

Rosa logo se estabeleceu como mecânico preparador de belos carros italianos e carros de competição e certamente teve acesso a uma das mecânicas “possantes” da época, ainda mais as italianas.

Nessa época ainda se buscavam mecânicas potentes europeias para fazer “híbridos de competição” “adaptados” e “especiais”.  

Mais tarde essa busca se limitou aos V-8 americanos instalados indiscriminadamente em qualquer chassis de corrida de meados dos anos 30 em diante como uma fonte barata e confiável de potência. 

Mas antes disso, bons motores europeus com vocação esportiva ou simplesmente motores de grande cilindrada instalados originalmente em “carros de luxo” eram opções dos “adaptadores” ou criadores de “híbridos de competição”.

Rosa era famoso por construir “especiais” com chassis próprios ou em chassis extensamente adaptados para colocar os mais potentes motores disponíveis de origem européia, juntar suspensões, freios e diferenciais de origem variada (normalmente também de bons esportivos europeus) e cobrir isso tudo com carrocerias artesanais. 

Essa era a receita básica dos bólidos da “fuerza libre” argentina,

Parece que esta era obviamente a origem de seu biposto e depois monoposto Fiat visto na Gávea desde 1934

Qual motorização na Gávea de 1935?

Sobre esse especial Fiat de Vittorio Rosa são disseminadas de forma corrente duas versões: a de que o motor tivesse 1,5 litros ou 3,7 litros

Leia-se a respeito o livro “Fuerza Libre  1919-1942 de Gullermo Sanches em que o mesmo relata os vários monopostos/bipostos de força-livre feitos na Argentina em torno de várias mecânicas inclusive as de Fiats 519/520/525. 

Sanchez relata um chassis artesanal com mecânica Fiat 525 e vários componentes especiais e cremos que essa é realmente a versão correta, mas apenas para comentar as versões das listas de inscrição de provas no Brasil, vamos explorar os dois caminhos.

A primeira hipótese, menos citada e menos crível, era que o Fiat teria um motor de 1,5 litros (1.484cc). Mas como os coletores de escape em várias fotos, atestam tratar-se de um 6 cilindros, achamos muito difícil, pois o ultimo 6 cilindros Grand Prix seria o velho 804 de 2 litros e porque alguém reduziria sua cilindrada para as provas de força livre sul americanas?

 E como esse motor sobreviveria tanto, a partir do fato que a Fiat não tinha exatamente uma política de vendas/manutenção de carros de corrida, nem fomentava clientela para isso? 

Os Fiats 4 cilindros de passeio da época eram os tipos 501/503 que tinham 1460cc e o 514 com 1438cc. Já as linhas 510 e 512 tinham 6 cilindros e 3.446 cc

Mas vamos chegar à imagem de um carro com coletor de escape indicando 6 cilindros e estudar a segunda “versão” de listas de inscrição. 

A segunda versão das listas de inscrição da época é que a cilindrada fosse 3,7 litros. Essa versão é de certo modo apoiada no fato de que a linha Fiat 525 (1928/1931), logo chamou a atenção pela potência de seus motores. Esses motores de 6 cilindros 3739 cc de 69 HP impulsionavam os Fiats “topo de linha” desde sedãs de chassis longo até as versões esportivas “touring” de chassis mais curto com as quais a Fiat fez sucesso no final dos anos 20 em provas de estrada como Targa Florio, etc, O motor 525 ganhou uma versão com compressor com aprox. 89 HP chamada de 525 SS (“supercompressa-sport”). 

Mas, bem entendido, isso não tinha nenhuma relação com os autênticos Fiats Grand Prix.

Por fim há que se cogitar de outros motores de linha Fiat da época que são citados como origem do carro e os mais frequentemente citados são o Fiat 520 produzido entre 1927 e 1930 com várias carrocerias, sempre com motores de 6 cilindros em linha de 1.866cc e 2.244cc e câmbio Fiat de 4 marchas sincronizado E o Fiat 522 produzido entre 1931/1932 com várias carrocerias, inclusive uma versão “sport”. Ali também vamos encontrar um 6 cilindros em linha de 2,566cc com cambio Fiat de 4 marchas sincronizado, Na versão “sport” esse motor tiraria cerca de 65 hp.

A única ressalva é que essas hipóteses dos motores Fiat 520 ou 522 não casa com as duas cilindradas mais frequentemente citadas para o carro de Landi (3,7 ou 1,5)

Por fim há que se descartar também pela cilindrada (menor de 995 cc) e quantidade de cilindros que fosse um motor originário de um Fiat 508 Balilla Sport

Nossa conclusão apoiada na descrição do livro de Guillermo Sanchez é que mais possivelmente mecânica Fiat do “especial” de Vittorio Rosa fosse oriunda da linha Fiat 525 (1928/1931), com motores de 6 cilindros 3739 cc.

O FIAT de RICARDO CARÚ Também é necessário apartar qualquer confusão entre o Especial de Rosa com mecânica Fiat e o Fiat adaptado de Ricardo Carú ambos bem detalhados no livro de Guillermo Sanchez “Fuerza Libre”.

Quando o Especial Fiat de Vittorio Rosa surgiu na Gávea de 1935 era um carro muito competitivo, que fez a “pole-position”, mas quem ganhou foi o Fiat de Ricardo Carú. 

O de Carú, sim, era o que poderia se chamar de um FIAT esportivo “adaptado”, enquanto o carro de Rosa era um “especial” com motorização Fiat

Entenda-se, o conceito diverso:  o carro de Carú era segundo o livro de Sanchez, um chassis de Fiat 520 reforçado conservando inclusive a parte estética frontal do Fiat e que estava equipado com um motor Fiat 519, ou seja, um seis cilindros em linha com aprox. 4,7 litros com várias modificações ali descritas e cambio de 4 marchas.

Embora com diversas adaptações o carro de Carú é naturalmente um carro Fiat adaptado e não um chassis artesanal com motor Fiat como o de Rosa. Vejamos as fotos:


Foto: O mesmo Fiat 519/520 adaptado de Ricardo Carú, vencedor da Gávea de 1935 foi visto logo em seguida no circuito de Rafaela em 1935, o fazendeiro e ex-motociclista Fermin Martin e seu co-piloto Angel Dalpastro (de capacete), notando-se que o carro já tinha uma carroceria central e traseira com acabamento no estilo “boat-tail”. (Foto: livro Fuerza Libre de Guillermo Sanchez)

Na foto acima notem o chassis alto originário do carro-esporte. É o tipo de carro que podemos denominar adequadamente de “Fiat adaptado” ou Fiat 519/520 conforme o denomina Guillermo Sanchez em seu livro. Na Gávea esse carro estava com a parte posterior ainda sem carroceria e um tanque de gasolina tipo “tambor” (vide foto no capítulo que trata de Ricardo Carú)

O Especial FIAT de Rosa

Quanto ao chassis, Rosa era conhecido por seus chassis artesanais e, além disso como por sua oficina deviam circular belos carros europeus como Alfas e Bugattis e outros esportivos de primeira linha, Rosa não deve ter tido dificuldade em obter peças interessantes de freios, suspensão, etc. nem de eventualmente “copiar” ou ter acesso a um chassis desses carros.

Assim ele construiu um chassis artesanal muito leve, conforme relatado por Guillermo Sanches descartando a hipótese que tenha “depenado” um Fiat 525 para chegar nas dimensões um carro de corridas como se vê nas fotos abaixo. 

Com seu conhecimento e habilidade ele construiu um chassis sob medida que recebeu  mecânica de um Fiat 525.

Vendo as imagens de um Fiat 525 é muito difícil acreditar que Rosa tenha encurtado, estreitado e rebaixado extensamente um carro de linha. Era, de fato, um chassis artesanal, com uma carroceria igualmente artesanal inicialmente biposto e depois monoposto e componentes mecânicos variados de diversas origens, com alguma preponderância (principalmente motor e cãmbio) de um Fiat 525.

Conforme discutimos acima, a cilindrada do motor Fiat 525 de 3,7 litros é mais frequentemente apontada nas listas de inscrição como a cilindrada do Fiat de Rosa e depois de Landi e, portanto, sem nenhuma relação com o deslocamento do motor dos últimos verdadeiros Fiats “Grand Prix”

Assim podemos dar amparo à teoria corrente entre experts argentinos de que o chassis Vittorio Rosa era um chassis artesanal feito na Argentina com todo o Know-how que Rosa possuía como ex- mecânico da Alfa Romeo sua intimidade com carros de corrida em geral.

Vários artigos argentinos se referem a esse carro embora a expressão “Rosa-Especial Fiat” se destine a um monoposto posterior feito por Rosa e que inicialmente recebeu a mecânica Fiat e depois trocou de mecânica.  Em momento nenhum a literatura argentina contemporânea atribui a esse carro o pomposo (e pretensioso) nome “Fiat Grand Prix” e quando Sanchez se refere ao Fiat 525, logo ressalva ter sido feito sobre um chassis artesanal configurando um especial com mecânica Fiat. 

Qual estética?

É uma discussão de pouca relevância, porque a maioria dos carros da época usavam o radiador frontal exposto e uma traseira afunilada, estilo “boat tail”. As carrocerias mais envolventes foram surgindo a partir dos anos 30 com formas mais aerodinâmicas ou “streamlined”.  Uma mera curiosidade estética é que corria na Argentina no final dos anos 20 o famoso Delage 2 LC- V12 (1924/1925) do conhecido piloto Juan Augusto Malcolm (Juan Augusto Malcolm y Martinez “el gaúcho escocês”) que famosamente ganhou as 500 milhas de Rafaela em 1927. 

O Especial de Vittorio Rosa com mecânica Fiat 525, com seu chassis rebaixado, um elegante e baixo radiador frontal destacado à moda antiga e uma traseira afunilada tipo “boat tail” lembra bastante o famoso Delage V 12 que corria naquela época na Argentina (vejam fotos abaixo) embora os bons observadores vão notar óbvias diferenças.  Mas o estilo geral lembra o do Delage que fazia sucesso nessa época e parece que Vittorio Rosa se inspirou na estética do lendário e exótico carro francês que era “estrela” na Argentina

 


Acima o Delage de Malcolm e abaixo o Rosa- Especial Fiat na Gávea de 1934. Em sua primeira aparição o Especial Fiat ainda estava sob a forma de biposto, e ao que tudo indica voltou para 1935 sob a forma de monoposto (foto abaixo)mantendo suas características gerais. 


Fotos: (acima e abaixo) Embora nascido biposto e assim apresentado na Gávea de 1934 o Especial com mecânica Fiat De Vittorio Rosa já aparece como monoposto em 1935 nas mãos de Chico Landi


Foto: É claro que o trabalho de Rosa foi dos mais sofisticados e bem sucedidos  “especiais” a partir da mecâncica Fiat 525 de 3,7 litros. O jovem Chico Landi posa para a foto sob admiração do publico presente (foto Gazeta Press)

Em 1936 Vittorio Rosa voltou com outro chassis “Rosa Especial” para a Gávea e o GP de São Paulo, já então com uma motorização Hispano Suiza.. Curiosamente Vittorio Rosa participou de sua última Gávea em 1948 ao volante de um Maserati e não de um de seus “especiais”. 


Foto: Chico Landi mostrou seu virtuosismo em Campinas fazendo as curvas em belas derrapagens controladas no circuito do chapadão em pista de terra.

Desfeitas então essas dúvidas sobre ser um “legítimo Fiat Grand Prix” ou um Fiat 525 de turismo adaptado e concluindo tratar-se antes de um “especial” com mecânica Fiat 525 , vamos narrar um pouco essa pitoresca e divertida história do carro no Brasil já resgatada em vários blogs e sites que normalmente citam a pesquisa do engenheiro Antonio Carlos Buarque Lima e do conhecido historiador de corridas Napoleão Ribeiro

Embora o pomposo título de “Fiat Grand Prix” pouco tenha a ver com a realidade dos verdadeiros carros Grand Prix da marca turinesa, esse híbrido é eventualmente um carro de grande importância para o automobilismo brasileiro e é o carro com que Chico Landi se apresentou e venceu o Circuito do Chapadão em Campinas em junho de 1935. 

Chico “depois do Rosa-Fiat” e o “Rosa-Fiat depois de Chico”

Como vimos, antes do Fiat, Chico já tinha aparecido no Bugatti T 37-A da Escuderia Excelsior do empresário italiano residente em Campinas Dante Di Bartolomeo e após a compra do Fiat, é seu irmão Quirino que vai aparecer no Bugatti. 

Quando Chico depois da Gávea de 1937 passa para o Alfa 8C Monza (ex Carlo Gazzabini), Quirino é que passa a aparecer no Rosa Fiat. (numa clara identificação de Chico com primeiro piloto e Quirino com segundo piloto da “escuderia”)

Após sucessivas apresentações nas mãos de Quirino Landi, o Especial com mecânica Fiat teria ido para as mãos do conhecido volante santista José dos Santos Soeiro em algum momento entre o final de 1938 e o início de 1939. O que não se sabe é o exato momento em que o carro recebe suas obvias modificações no tratamento frontal da carroceria, suspensão, etc.  

Certo é que na Gávea de 1939 Quirino estaria com Alfa 8C Monza modificada da Escuderia Excelsior que vinha sendo pilotada por seu irmão até então e Santos Soeiro estava de fato com o “Rosa-Fiat” com o qual ele seria visto correndo em seguida (agosto de 1939). no GP Adhemar de Barros em Piracicaba/SP e por um período mais adiante inclusive a Gávea de 1940. Esse esclarecimento é importante porque algumas listas previas de inscrição da Gávea de 1939 ainda dão Quirino no Fiat.


Foto: A imagem reveladora: O “Fiat adaptado” de Santos Soeiro na Gávea de 1939 já com “cara de Alfa Romeo” (foto do jornal “O Imparcial”)

Em seguida no Circuito da Gávea de 1940 Quirino não participa. Mas aparecem dois “Fiats” sendo um com Gino Bianco e outro com Santos Soeiro criando talvez a dúvida se era Soeiro ou Bianco que estava no Fiat “ex- Escuderia Excelsior” No entanto as fotos abaixo elucidam a dúvida


Foto: o “Fiat adaptado” de Gino Bianco na Gávea de 1940 deixando claro que era um carro diferente do de Santos Soeiro.


O conhecido e já veterano piloto santista José dos Santos Soeiro com seu Fiat adaptado na Gávea de 1940 (foto Arquivo Nacional site Rio Antigo) deixando claro que Santos Soeiro é que estava com o Fiat “Rosa” Especial “ex- escuderia Excelsior” e que é o mesmo carro fotografado pelo Jornal “O Imparcial” na Gávea de 1939.

Na gávea de 1941 Gino Bianco aparece de Maserati e é por sua vez que o célebre Henrique Casini aparece no Fiat ( “ex-Escuderia Excelsior”) ocasião em que que teria se acidentado na primeira volta – colisão contra poste na Av. Niemayer) encerrando assim a extensa participação desse mesmo carro no Circuito da Gávea. Vejam foto a seguir

Quirino Landi estaria em 1941 com o mesmo Maserati que Chico Landi usara em 1940 reforçando a teoria da hierarquia familiar de que Quirino ficava com os carros que inicialmente o irmão pilotava. Por fim, o ex- piloto do Especial Fiat, Santos Soeiro, estava em 1941 com um Graham-Paige modificado. Embora outros monopostos especiais denominados “Fiats” aparecessem ainda na gávea (Mauricio Dantas Torres) e em 1948 (Manoel Porfírio) parece não haver mais relação com o Rosa-Especial Fiat da escuderia Excelsior


Vejam a foto do Fiat Especial nº 22 de Casini na Gávea de 1941 após acidente na Av. Niemeyer na 1ª volta. O carro ainda aparece com a mesma grade (“estilo Alfa Romeo”) vista nas Gáveas de 1939 e 1940 quando o carro ainda estava nas mãos de Santos Soeiro

Assim se pode concluir com base em um histórico bem assentado que que o Especial Fiat de Casini na Gavea de 1941 era o mesmo carro de Santos Soeiro e consequentemente o mesmo carro dos irmãos Landi na Escuderia Excelsior e por conseguinte o mesmo carro de Vittorio Rosa, com uma carroceria modernizada e grade frontal ao “estilo das Alfa Romeo Monza” vide foto acima. Além de obviamente várias outras modificações como se pode ver pelas fotos.

Embora aqui a tentativa seja de somente identificar os carros da Gávea de 1937, cabe adicionar uma saborosa história.

Vejam em outro ponto deste texto quando formos tratar do piloto Benedicto Lopes e a Alfa por ele usada na Gávea de 1937, estaremos relatando que Lopes reconhecidamente ficou com a Alfa Romeo Monza que Helle Nice usara na Gávea de 1936 e que famosamente se acidentara no GP de São Paulo no mesmo ano.


Foto: A Alfa 8C 2300 Monza de Helle Nice fotografada após o acidente no GP de São Paulo de 1936 e que seria vendida em seguida ao piloto Benedicto Lopes

Ao comentar sobre aquele chassis da Alfa 8C 2300 Monza (ex- Helle Nice), abrimos três hipóteses. 

a)     carro apreendido para perícia após acidente e “depenado” ou carro vendido como um todo para Lopes;

b)     uma hipótese intermediaria com menos sentido: chassi e mecânica liberada e carroceria apreendida no DST de SP (na época DST era departamento de serviço de trânsito);

c)     terceira e mais provável hipótese: apoiados no depoimento de Lopes e família a vários sites e boletins de imprensa, bem como nos jornais da época, acreditamos que o carro foi liberado pelas autoridades, adquirido por Lopes (“como um todo”) e no processo de reconstrução do carro boa parte da carroceria azul foi descartada e acabou voltando ao pátio de “ferro-velho” do Depto. de Trânsito de SP (DST-SP), doada, recolhida, descartada, ou por qualquer modo ou motivo devolvida ao pátio de ferro velho.

Essa volta ao DST pode ter ocorrido desde 1936 (se os funileiros de Lopes a tivessem descartado imediatamente) ou muito depois. Fato é que Lopes reconhecidamente reencarroçou a Alfa em seguida e modernizou alguns aspectos estéticos (veja-se em parte subsequente como o carro vai aparecer na Gávea de 1937). O que importa é que no pátio de “ferro velho” do DST-SP, depois Detran-SP, um resto de carroceria ficou dormente, mas reconhecido como a lendária “Alfa da Helle Nice”.

O chassis e mecânica já estavam restaurados com nova carroceria e já estavam “de volta à ativa” com Lopes que reconhecidamente – por todas as fontes- iria com esse Alfa se apresentar na Gávea de 1937, depois em Portugal e daí esse carro iria ter um destino completamente diverso.

O famoso colecionador brasileiro Roberto Lee, titular do Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas (também conhecido como Museu de Caçapava ou pelo nome de seu criador ou seja, “Museu Roberto Lee”), declarou à imprensa em meados dos anos 60 ter duas Alfa Romeos sendo uma bem identificada como uma RL “coloniale” de passeio e os restos de uma Alfa de corrida.

Por vários relatos disponíveis, acredita-se que Lee teria adquirido os restos não de um Alfa de corridas, mas o resto do carro (Rosa especial Fiat parcialmente reencarroçado e mecanicamente modificado no Brasil) acidentado por Casini em 1941.

Segundo várias fontes e a pesquisa do engenheiro Antonio Carlos Buarque Lima e do conhecido historiador de corridas Napoleão Ribeiro esse carro, entenda-se o que aqui chamamos Fiat Especial (ex Vittorio Rosa), ainda montado em seu chassis, mas sem mecânica nenhuma estaria abandonado em um posto de gasolina no Estado de Minas Gerais e, pelo aspecto da carroceria “ao estilo Alfa”- e à eventual falta de qualquer motor-  interpretou tratar-se do restos de uma Alfa Romeo de competição. Naqueles tempos não haveria ainda expertise para localizar conferir números de chassis, conferir a veracidade da estampagem desses números ou plaquetas e fazer os testes metalúrgicos apropriados de autenticidade.

Como o carro foi parar em Minas Gerais? (segundo algumas fontes esse posto de gasolina rodoviário era próximo Belo Horizonte). No campo da mera especulação sabemos que o industrial carioca Henrique Casini teve longa carreira como piloto e a certa altura comprou uma Alfa 308 C que pertencia ao Conde Scarpa e que nas mãos de Chico Landi ganhou várias provas inclusive na Gávea. Casini adquiriu o carro e com ele participou da Gávea de 1949 

Em 14/8/49 famosamente se disputou o GP da Cidade de Belo Horizonte no Circuito da Pampulha. Para esse GP, Casini já havia vendido o Alfa 308 C a Antonio Fernandes da Silva e com ele iria partilhar o carro durante a prova. Nessa prova, conforme noticiado por “ O Globo” de 13/8/49, participou um piloto chamado Waldre Tassini com Fiat.

Sem adentrarmos em detalhes, fica a dúvida se Casini após recuperar o Fiat acidentado na Gávea de 1941 talvez o tivesse levado a BH para vende-lo a um piloto mineiro, ou a um outro piloto que o teria levado para a corrida em BH talvez assim justificando o carro ter acabado na região?  Quem sabe?

Fato é que conforme todas as fontes, Roberto Lee adquiriu os restos do Fiat em Minas Gerais.

Certo também é os restos dessa carroceria da Alfa de Helle Nice (descartados talvez desde o tempo de Benedicto Lopes) foram famosamente doados pelo departamento de Trânsito de SP em 1967 ao colecionador.


De posse dos restos dessa carroceria (talvez ainda com algum detalhe ou instrumento bem estragado pelo tempo), os restauradores da oficina de Lee talvez tenham tentado instalá-la nos restos do que ele acreditava ser um Alfa de competição e rapidamente devem ter concluído que a carroceria não “casava” com o chassis.

Apoiado na fama de ter o “carro de Helle Nice”, possivelmente moralmente pressionados a apresentar algo ao público como o “carro de Helle-Nice restaurado” cometeram mais dois equívocos históricos, pintaram o carro de vermelho instalaram emblema e letreiros de Alfa Romeo naquela grade que se assemelha a um Alfa Monza e o anunciaram como uma Alfa P3 e o identificaram como ex Helle Nice

Por fim e aqui entra o campo da mera especulação, acredita-se que o motor instalado no carro por muitos anos foi identificado como um motor Studebaker de 6 cilindros (quem sabe?), mas certamente não um motor Alfa 8 cilindros e também não um motor Fiat 525 de 6 cilindros.


Sem poder concluir definitivamente mas apenas pelo “sabor” da estória, parece que a apresentação desse carro em Museu teria, salvo melhor juízo, cometido alguns equívocos

1)    Apresentar o carro como o Alfa Romeo P3 (ex Helle Nice) quando na verdade Helle Nice correu e se acidentou em SP com uma Alfa Romeo 8C 2300 “Monza”; 

2)    Apresentar o carro em vermelho quando se sabe que o carro de Helle Nice era azul em dois tons;

3)    Apresentar o carro como Alfa quando se sabe que o carro ex- Vittorio Rosa ex Chico Landi, ex Quirino Landi ex- Santos Soeiro e ex- Henrique Casini era um chassis artesanal de Vittorio Rosa inicialmente com mecânica Fiat e após o desaparecimento da mecânica Fiat 525, pouco ali deve ter sobrado de Fiat e menos ainda de Alfa;

4)    Afimar que o carro era da Helle Nice, quando se sabe que Helle Nice nunca esteve naquele carro (sem prejuízo de ali terem sentado célebres pilotos entre os quais Rosa, os irmãos Landi, Santos Soeiro e Henrique Casini)

De qualquer modo essa teoria não é definitiva mas é certo que pouco teria restado tanto de Fiat e menos ainda de Alfa Romeo. 

Uma expertise seria necessária para verificar o que é exatamente o carro do museu,  chassi, carroceria e motor, símbolos e letreiros alfa romeo e eventualmente a sobra de um instrumento de painel ou detalhe que poderia ter sido tirado da antiga carroceria do Alfa de Helle Nice e eventuais peças ainda originarias da mecânica Fiat (direção, suspensão, transmissão, diferencial, eixos, freios ) e mais um “mix” de peças de variadas origens instaladas por Rosa e depois trocadas ao longo da história competitiva do veículo. A desmontagem e teste metalúrgico do chassis (inscrições, nível de níquel e cromo no aço utilizado) também seria necessária.

Resta, porém, uma homenagem sentimental ao carro “híbrido” que lá está:

a)     À Vittorio Rosa que fez de um híbrido artesanal um carro eficiente e competitivo no automobilismo sul americano da época, sem dúvida um trabalho superior à média;

b)    À Chico Landi por ter conduzido esses chassis à vitórias no Brasil em pleno “desabrochar“ de seu enorme talento;

c)     À Helle Nice, embora jamais tivesse nada a ver com que está lá contido, certamente muitos se interessaram pela associação do carro a ela o que é uma expressão do carinho do povo brasileiro e paulista com a corredora francesa, carinho que se manifestou no nome de “Elenice” em gerações e gerações de meninas brasileiras;

d)    À Alfa Romeo, embora aquilo não tenha praticamente nada de Alfa Romeo, a mera lembrança do nome e a associação às corridas emocionou e emociona gerações de brasileiros até hoje;

e)     À Fiat embora nada lá seja um Fiat Grand Prix, mas os verdadeiros experts e historiadores do automóvel sabem a vanguarda técnica da engenharia da Fiat teve em competições nos anos 1920 e os grandes nomes que compuseram sua engenharia de competições;

f)     E, por fim, a Roberto Lee e ao Museu, que embora por décadas tenham levado o público a algum nível de equívoco, há que se lembrar que viviam em uma época de pouco conhecimento e pouquíssimo material de pesquisa e em que os padrões para se restaurar era pouco mais que repintar e deixar apresentável.

Para encerrar este capítulo vamos deixar uma sugestão de identificação mais apropriada desse histórico carro de corridas

“Monoposto de corrida década de 1930”

Construído na Argentina pelo conhecido piloto e preparador italiano residente na Argentina, Vittorio Rosa, este monoposto (antes biposto) artesanal apresentado nas provas argentinas de 1934, foi inicialmente equipado com uma mecânica 6 cilindros Fiat (possivelmente Fiat 525, 6 cilindros em linha, aprox. 3,7 litros do ano de 1928).  É, provavelmente, um dos carros que mais vezes participou do Circuito da Gávea no Rio de Janeiro, marcando a pole position e terminando em terceiro lugar na edição de 1934 com seu criador. Após voltar para a Gavea em 1935, o carro foi vendido para a Escuderia Excelsior do italiano radicado em Campinas Dante di Bartolomeo. Pilotado por Francisco Landi no circuito da Gávea em 1936 e 1937 o carro famosamente com ele venceu no Circuito do Chapadão (Campinas) em 1936 participou de provas na Argentina em 1936 e 1937 com os irmãos Landi. 

Ainda na Escuderia Excelsior este carro passou a ser pilotado por Quirino Landi (irmão de Chico) participando da Gávea em 1938. Em algum momento entre 1938 e 1939 o carro recebeu uma carroceria com novo tratamento frontal muito semelhante às Alfa Romeo “Monza” e nesse mesmo tempo foi vendido ao conhecido piloto santista José dos Santos Soeiro que com ele se apresentou na Gávea de 1939 e 1940. Revendido ao também famoso piloto Henrique Casini o carro sofreu um acidente na edição do Circuito da Gávea de 1941, pouco se conhecendo de sua história a partir de então até ser localizado abandonado e sem mecânica pelo colecionador Roberto Lee em um posto de gasolina rodoviário em Minas Gerais.

Em 1967 Roberto Lee recebeu por doação do DETRAN de SP (antigo DST) alguns restos da carroceria do Alfa 8C 2300 “Monza” da famosa corredora francesa Helle Nice que com ele se acidentara do GP Cidade de São Paulo disputado no bairro paulistano do Jardim América em 1936

Com os escassos recursos de pesquisa da época e também sem fonte de peças para uma restauração correta e também pela constatação de que o carro encontrado em Minas Gerais não “casava” com os componentes dos restos doados pelo Detran (embora guardasse semelhanças estéticas com um Alfa Romeo de época), Lee preferiu restaurar a partir da base do carro encontrado em Minas inserindo uma nova mecânica.”

Nada disso impediu que ao longo do tempo o carro se tornasse um dos “favoritos” do público que visita o museu, e em justa homenagem a seu construtor e primeiro piloto Vittorio Rosa, a seus intrépidos pilotos, Rosa, Chico e Quirino Landi, Santos Soeiro e Henrique Casini e ainda em homenagem à memória da famosa corredora francesa Helle Nice pela qual o carro acaba sendo sempre lembrado.”


Fotos: Ontem e hoje no Museu de Caçapava/SP:  O monoposto misterioso não deixa de ser, no entanto, um dos carros mais interessantes da história do automobilismo brasileiro.



Atenção: As imagens foram retiradas da internet para ilustrar a matéria, que, por sua vez, não possui qualquer fim lucrativo. Caso o leitor reconheça alguma delas como de sua propriedade, pedimos encarecidamente que o mesmo entre em contato conosco que removeremos ela da página.  

 

Capítulo Anterior                                                                                                        Próximo Capítulo

 

 

×