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Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 19)

• Por Alfa Romeo Clube do Brasil
Capítulo 19 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 19)

CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro

(CAPÍTULO 19)                                                                         Por Alberto Maurício Caló 

OS CONCORRENTES UM A UM


JEAN GILBERT FOURY 

França 

Equipe: Particular (Ecurie Argo?)

Carro: Bugatti T 51 Grand Prix (chassis 51130?)


Gilbert Foury (foto Correio da Manhã 6/6/1937)

Jean Gilbert Foury (1907-1978) Também identificado pela imprensa brasileira como Gilbert ou Gilberto Foury faz parte daquelas personalidades de livros de aventuras do início do século 20. Talvez um romance de espionagem fosse mais próprio para contar sua história, mas Gilbert Jean Foury ou Jean Gilbert Foury era no dia-a-dia um engenheiro de família conhecida que residia Boulogne Sur Mer, conhecido porto do litoral atlântico francês. 

Na outra face de sua vida era um corredor de Bugattis, membro da resistência francesa na segunda guerra mundial, herói condecorado e, portanto, um desses personagens que povoam a memória dos galantes aventureiros da primeira metade do século 20. 

Sua aparição na Gávea é ligada ao que se consideraria uma aventura “exótica”.  Do ponto de vista automobilístico, Foury teve uma carreira mais dedicada às provas de endurance.  O seu primeiro registro como corredor daria notícia de um acidente com Bugatti em Spa-Francorchamps no ano de 1933. Mas aí se cria um mistério.

Dos poucos dados disponíveis sabe-se que apareceu em Le Mans em 1935 com Bugatti da Ecurie Argo que na prova apresentou um T 35 e um T51 com compressor.

Aí começa o mistério porque nas 24 hs de Le Mans de 1935 (realizadas de 15 a 16/6/35) a Ecurie aparece nas listas de inscrição com  um Bugatti que às vezes é relacionado para a dupla Max Fourny / Bernard Chaudé (Bernard Jean Albert Chaudé) e às vezes é relacionado para a dupla para Jean Gilbert Foury / Bernard Chaudé.

É certo que ambos os pilotos Max Jaques Michel Fourny e Jean Gilbert Foury eram personagens distintos embora ambos amadores e ambos pilotos ocasionais de Bugattis.

Por mais que a resistência francesa tivesse a certo ponto a necessidade de ocultar a verdadeira identidade de seus agentes, parece certo que Fourny (1904-1991) que depois se tornaria personagem ilustre no mundo das artes e Foury (1907-1978) eram pessoas e pilotos distintos EXCETO por essa repetida confusão nas listas de inscrição nas 24hs de Le Mans de 1935.

Acreditamos que realmente Foury tivesse sido o parceiro de Chaudé na Le Mans de 1935 e a partir daí vamos nos dedicar a uma nova confusão sobre os dois Bugattis da Ecurie Argo na prova:

a)    um tradicional Bugatti T 35 em mãos de Paul Valée em dupla com Albert Blondeau, carro que teria completado 74 voltas;

b)    um mais novo Bugatti T 51 com compressor (por alguns também citado como um T55) de Foury/Chaudé que teria completado apenas 26 voltas.

Ambos estariam com uma curiosa carroceria com para lamas finos na frente, mas carenados na traseira em um exercício estilístico “streamlined” (vejam fotos a seguir).



Fotos: os exóticos Bugatti da Ecurie Argo para as 24 hs de Le Mans de 1935 sendo o  T 51 de Foury/Chaudé aparece com o número 16 (identificado como chassis 51130) e o T 35 de Valée /Blondeau que aparece abaixo com o número 20.

A pesquisa nos levou a acreditar que Foury tivesse vindo à Gavea de 1937 com dos carros da Ecurie Argo usados nas 24 hs de Le Mans de 1935. 

Como os dois carros tinham carrocerias especiais, será que um deles teria sido reconfigurado em versão “Grand Prix” para a prova brasileira?

Sim, é palatável essa hipótese pois transformar carros esportivos em carros “Grand Prix” e vice versa era a “ordem do dia” na época.

A ligação de Foury com a Ecurie Argo nos levou a pesquisar um pouco mais sobre essa equipe de curta duração.

Então fomos encontrar Bernard Chaudé (o colega de Foury na Le Mans de 1935) no GP de Dieppe de 1935 com um Bugatti T 51. Seria o mesmo chassis 51130  de T 51, já então depenado de sua carroceria aerodinâmica?

As 24 hs de Le Mans de 1935 foram realizadas em 15 e 16 de junho e o GP de Dieppe de 1935 em 21 de julho. Não haveriam grandes dificuldades em desmontar para-lamas e faróis e reconfigurar os Bugattis em despojada versão “grand prix”.


Foto: Soberba imagem e perfeita identificação do Bugatti T 51 da Ecurie Argo no GP de Dieppe de 1935, (21/7/35) inscrito para Bernard Chaude (seria esse o T51 chassis 51130 ? seria o carro de Foury na Gávea de 1937 ? )

No ano seguinte Bernard Chaudé seria visto também em um Bugatti T 51 no GP du Comminges (St Gaudens) de 1936 no qual chegou em décimo lugar e Jean Gilbert Foury aparece inscrito na mesma prova também com Bugatti (mas sem que se saiba se chegou a largar e sua colocação final). Estaria Foury, com o T35 da Ecurie Argo? Acreditamos que sim, por questão hierárquica, pois Chaudé era um dos sócios da escuderia e deveria ter ficado com o carro mais moderno e potente (o T51) e Foury com o mais antigo (o T 35).

A prova foi vencida por Jean Pierre Wimille com um Bugatti T 59.

Como Foury aparece inscrito no Brasil com o T 51, somos levados a crer que tenha vindo com o mesmo T51 que a Ecurie Argo inscreveu para Chaudé nos GPs franceses de 1935 e 1936 (seria então o chassis 51130 ? ).

A conclusão é que se Foury era ligado à essa equipe (Ecurie Argo) de curta duração, faria mais sentido que ele viesse ao Brasil com o T 51 da equipe (por natureza um biposto de grand prix) e isso “confere” com algumas listas de inscrição. 

O Bugatti tipo 51 era a evolução natural do tipo 35 B com o qual guardava grandes semelhanças estéticas, A principal diferença era que o famoso 8 cilindros em linha de 2,3 litros tinha um cabeçote com duplo comando de válvulas. Também equipado com compressor, o tipo 51 tirava cerca de 160 a 180 hp. Estima-se que 40 carros desse modelo tenham sido produzidos entre 1931 e 1934.

A imprensa da época noticiou a experiencia anterior de Foury em provas na Europa tendo um cartel composto pelo GP du Comminges, o que pudemos confirmar conforme acima, o GP da França (não confirmado pela nossa pesquisa) o GP des Independants em Monthlery (no Circuito de Linas Monthlery – próximo de Paris) o  GP des Frontieres na Belgica no circuito de Chimay e um certo “Grand Course de  Cote D`Azur” (não identificado). 

Não conseguimos dados da participação de Foury em nenhuma dessas corridas exceto o citado GP du Comminges. A indicação da cilindrada na notícia abaixo (2.300cc) corresponde ao padrão das T51 (oito cilindros em linha 2,3 litros com compressor).


Como dissemos Foury foi famosamente um agente da inteligência da resistência francesa na Segunda Guerra Mundial com o codinome de “Edwin” ou “Coronel Edwin”, atuação pela qual foi condecorado na França e Polônia como herói da resistência. 

Sua biografia ressalta suas provas em Le Mans e sua aparição “brilhante” no Brasil.

Foury reapareceria novamente nas provas do pós -guerra, primeiro como construtor de um  curioso Fórmula-2 que seria o primeiro monoposto francês com motor traseiro com a marca SERVAL. O carro teria aparecido na Suíça em 1949 no GP du Lac Lèman.

Esse monoposto que sobrevive aos dias de hoje é bastante semelhante aos Coopers 500 do pós guerra com motores de origem motociclística.

Mais tarde, nos anos 50, Foury comparece em Le Mans em 1955, 1956 e 1960 sempre com Stanguellini “bialbero” 750 CC disputando as categorias de baixa cilindrada. 

Profissionalmente Foury era um engenheiro da empresa Francegel na cidade de Boulogne sur Mer (porto do litoral do Altantico, próximo a Calais). 

Como vimos em capítulo acima, Boulogne era justamente o porto onde Foury, seu mecânico Jean Rigail e Georges Hardy (o “Macedardy”) embarcaram seus Bugattis no navio Highland Princess.

Resta a pergunta porém. O que faria um piloto amador francês pouco conhecido se deslocar para uma prova internacional no Brasil? O incentivo Georges Hardy, já veterano da Gávea anterior e uma possível verba do ACB para financiar a excursão? 


Foto“agentes secretos” ao volante: Além de Foury Alguns pilotos franceses se destacaram como heróis da resistência francesa na Segunda Guerra mundial entre os quais os célebres Jean Pierre Wimille e Robert Benoist. Um dos mais famosos e misteriosos foi “Williams” um pseudônimo do piloto francês de ascendência britânica William Charles Frederick Grover, depois conhecido como William Grover-Williams. Desnecessário dizer que todos eles em determinado ponto de suas carreiras foram grandes pilotos de Bugattis. Famosamente Williams foi o primeiro vencedor do hoje lendário GP de Mônaco realizado em 1929 e na imagem acima ele estilosamente tangencia a curva da estação “em rota para a vitória”. A se lembrar que estação de trem não existe mais. Em francês seria a curva “da gare” depois chamada curva da “ancienne gare” (pelo que muitos britânicos a chamam até hoje de Old Station Hairpin), onde foi depois edificado Hotel Loews se tornando “Curva Loews” depois também chamada de “Curva do Grand Hotel” e como hoje esse hotel é da rede Fairmont, a curva teria um  novo nome. Devido à sua forma de “grampo de cabelo” e ao Hotel Fairmont a curva tem hoje a denominação de “epingle a cheveux Fairmont”.

 

GEORGES HARDY

França 

Equipe: Particular 

Carro: Bugatti T 55 (?)


Georges Hardy (dito “Macedardy”) na foto dos jornais em 1936.

“Macedardy” ou Macerdady ou ainda Jorge Macedardy ou George Macedardy são todos possivelmente um pseudônimo para Georges Hardy (nome oficial de inscrição). 

Pouco se sabe da carreira desse piloto francês exceto que já era veterano da gávea de 1936 onde apareceu com Talbot. Pela forma do radiador mais possivelmente era um hibrido biposto com um “boat tail” e rodas descobertas possivelmente feito a partir de um Talbot esporte de fabricação francesa. Poderia ser mais provavelmente construído a partir de um  Talbot M 67 ou de um K-78 de 1929/31 e muito provavelmente usando o famoso motor Talbot de seis cilindros adaptado  (com motor de 6 cilindros válvulas no cabeçote comando no bloco e cilindradas variando de 2 a  2,5 litros conforme o modelo de origem) Pelo aspecto certamente não é certamente um dos T 110 ou um dos atualizados T150C que a Talbot francesa usou em Le Mans em 1936.  A Talbot francesa era originária da Clement-Talbot depois Talbot-Darracq. A marca tinha a divisão britânica Sunbeam Talbot. Todos os carros Talbot seja franceses ou ingleses tinham uma “veia” esportiva e a marca participou das corridas de Grand Prix no anos 20 com a denominada “Sunbeam-Talbot-Darracq ou STD”. Em seguida a divisão inglesa “Sunbeam-Talbot” ficou com o grupo Rootes e a divisão francesa com Antonio Lago dando origem aos esportivos e carros de competição “Talbot-Lago”.


Foto: O Talbot de Macedardy na Gávea de 1936. Possivelmente uma adaptação em cima de um Talbot esporte (foto acima Livro Circuito da Gávea – Paulo Scali). Notem o emblema do radiador típico dos Talbots franceses da época (fundo azul faixa branca).


Georges Hardy aparece na Gávea de 1936 com seu Talbot e algumas fontes sugerem que ele seria o responsável pelo contato e convite à Helle Nice (Mariette Helene Delangle) para sua famosa participação nas provas internacionais brasileiras de 1936 (Gávea e o GP Cidade de São Paulo). Macedardy e Helle Nice seriam a “dupla francesa”, mas obviamente Helle Nice veio muito mais bem equipada com uma Alfa Monza enquanto Macedardy veio com Talbot mais antigo adaptado. Além do que Helle Nice tinha um curriculum mais conhecido e relevante como piloto que o obscuro Georges Hardy (ou “Macedardy”) De qualquer modo, na Gávea de 1936 Macedardy termina em 10º lugar após duas paradas nos boxes conforme noticiaram os jornais da época. Helle Nice também não teve sorte e conforme os mesmos jornais fez várias paradas “com falhas nos carburadores” e sabe-se que terminou ainda mais atrás que seu compatriota com 3 voltas e meia de atraso.

Depois da Gávea, Macedardy não foi para o GP de São Paulo enquanto que Helle Nice foi para a fatídica prova e onde se produziu seu famoso e dramático acidente quando disputava o 3º lugar com Teffé na última volta. Algumas fontes dão conta que Georges Hardy teria fixado residência no Brasil após a corrida, mas parece certo que para a prova de 1937, morando ou não no Brasil, ele teria vendido seu Talbot ao piloto brasileiro Luiz Tavares de Moraes que se acidentou com esse mesmo carro nos treinos preliminares para Gávea de 1937 (sendo que efetivamente Tavares de Moraes participou com um Bugatti como veremos depois). 

Assim, concluímos que Georges Hardy teria voltado à França eventualmente para comprar um outro carro de corridas e onde por algum meio teria convidado Gilbert Foury para uma “aventura nos trópicos” e ambos teriam embarcado no já citado navio Highland Princess com destino à Gávea. Teria Georges Hardy sido o artífice de um convite (e de uma verba) do ACB, para a vinda de Foury?. Certo é que ambos partiram da cidade de residência de Foury, Boulogne-sur-Mer, para o Rio sendo Foury com um Bugatti T51 Grand Prix conforme descrevemos acima e Georges Hardy com um Bugatti que pelas fotos mais se assemelha a um modelo esporte “depenado” e adaptado que algumas fontes citam como Bugatti T 55. Junto a ambos veio o mecânico Jean Rigail.

Mesmo diante do fato que algumas fontes citam o Bugatti como um T55, e que quase todas as fontes citam tratar-se um carro com motor 2.3 e compressor, o que levaria a um T55, acreditamos que pudesse ser um também um mais antigo T43 A (um carro esporte aberto derivado do T35 de corridas e também um oito cilindros em linha, 2,3 litros com compressor, mas de concepção mais antiga). 

Em vista do aspecto do carro bem capturado tanto pelo filme de Chris Nixon como pelo filme da Cinédia, é evidente tratar-se de um carro mais alto e largo em comparação aos Bugatti Grand Prix de outros concorrentes. São características que levam crer que era oriundo de um Bugatti esportivo e não de um Bugatti Grand Prix. Um T 43 A mais antigo “depenado” ou um T55 “depenado” poderiam se encaixar na descrição, mas fica a dúvida para os especialistas da marca, havendo ainda a característica das rodas de raios de arame mais usadas nos Bugattis esportivos T40, que porém, usavam motores de 4 cilindros o que não bate com as informações da época.


Imagem: no filme de Chris Nixon uma imagem da largada com a Bugatti (T55?, T 43?) nº 12 de Georges Hardy (Macedardy) que como alguns outros largou com co-piloto e que neste angulo deixa encoberto à esquerda o Alfa 8C 2300 Monza nº 50 de Almeida Araujo.

Georges Hardy é por vezes citado como condutor de um  Bugatti T 55 evidenciando-se então um Bugatti esporte biposto depenado para as corridas e a imagens levam a crer mesmo nessa hipótese pois parece um Bugatti maior e mais alto que os T37 e T51 dos outros concorrentes De qualquer modo seria equipado com o tradicional 8 cilindros em linha, 2.3 com compressor tirando cerca de 130 HP ( portanto “amansado” com relação aos motores de corrida).


Bem no início da prova vêm em primeiro plano o Bugatti nº 12 de Macedardy (um chassis mais alto derivado de carro-esporte) que é perseguido pelo Bugatti T37-A nº 20 de Quirino Landi correndo caracteristicamente com um estepe lateral como visto em outras provas da época) sendo que ambos estão prestes a ser alcançados pelo Bugatti T35-T “especial” nº 54 de Vittorio Coppoli. O Bugatti de Macedardy é notoriamente um carro maior e mais alto que os Bugattis de corrida que vêm em sequência.

Por fim, também não se conseguiu registros da carreira esportiva posterior de Georges Hardy após a Gávea de 1937, sendo certo que ele não voltou para as “Gáveas” de anos posteriores.

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