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Hermano da Silva Ramos

• Por Alfa Romeo Clube do Brasil
Um pioneiro brasileiro em Paris
Hermano da Silva Ramos

HERMANO DA SILVA RAMOS

Um pioneiro brasileiro em Paris 

                                                                                                                                                                                                     Por Alberto Maurício Caló   

 

O RIO DE JANEIRO, UM MG E O COMEÇO DE UMA PAIXÃO PELA VELOCIDADE

Hermano João Da Silva Ramos ou simplesmente “Nano” nasceu em Paris, filho de pai brasileiro e mãe francesa em 7/12/25 e tinha dupla nacionalidade.. 

Depois da primeira infância na região do país basco francês, próximo a Biarritz, Nano é educado no tradicional Lycée Janson de Sailly em Paris. Nano começou sua juventude na França ocupada e se alistou no exército francês. Em 1945, dispensado do Exército, sofreu a perda inesperada de seu pai e se mudou para o Brasil, terra de sua mãe.

Nano foi residir no Rio de Janeiro a capital do Brasil, ainda no final da era dourada dos cassinos com seus shows de estrelas internacionais. Uma cidade cosmopolita, dinâmica com uma elite refinada, o corpo diplomático, enfim, com todos os atributos da chamada “Cidade Maravilhosa”.

Foto: O tradicional Lycée Janson de Sailly em Paris foi onde Nano estudou em Paris (foto Wikipedia).

Nano logo se enturmou com os rapazes de sua idade não só porque falava português fluentemente, mas porque também seus novos amigos falavam francês como era hábito entre a elite brasileira da época.

Um de seus amigos era Carlos de Oliveira Rocha Guinle, dito “Carlinhos” Guinle da lendária família empresarial brasileira de origens também francesas.

Carlinhos era filho de Carlos Guinle - Presidente do Automóvel Club do Brasil e filho de Eduardo Guinle.

Eduardo Guinle e Candido Gaffrée eram empresários franceses que no Rio se dedicaram ao comercio e importação, mas que no final do segundo império ganharam a concessão para explorar e ampliar o porto de Santos no momento em que São Paulo assumia a liderança na produção do café e o Brasil se colocava como maior exportador mundial do produto.

“Estes “homens novos” não dispunham de riqueza e famílias tradicionais, nem contatos, posições políticas ou atividades urbanas. Eles “entraram”, no entanto, por motivos bastante tradicionais – dinheiro novo ganho no final do império e início da república. Talvez os mais famosos entre esses novos ricos fossem os Guinle, famosos pelo charme pessoal e pelo estilo de vida cultivado à custa de uma fabulosa fortuna, produto das circunstâncias específicas da época...”

“Não se pode ficar muito tempo no Rio sem ouvir o nome Guinle que avulta com igual importância nos círculos industriais, financeiros, comerciais e sociais. Imensamente ricos e empreendedores......” 

Jeffrey D. Needell 1993 no livro Belle Èpoque Tropical

A segunda geração dos Guinle aliou sua extraordinária fortuna ao empreendedorismo, à caridade, à doação e ao mecenato. Beneficiaram-se as artes, as letras, as ciências e o esporte e as marcas dessa atuação estão até hoje principalmente na cidade do Rio de Janeiro que era a principal praça de seus empreendimentos e na Cidade de Santos (onde tinha sua principal operação a Cia. Docas de Santos). 


Foto: Carlos Guinle é visto aqui em sua mansão de Botafogo posando com seu Chrysler Imperial 80. Entre seus belos automóveis teria havido também um Rolls Royce Phantom I. 

Nesse contexto, dentre os irmãos Guinle quem nos interessa é especialmente a figura de Carlos Guinle que era o mais entusiasmado pelo automobilismo e coordenava a organização do Circuito da Gávea desde a primeira edição em 1933. Carlos Guinle e sua esposa Gilda conseguiram com extraordinária desenvoltura colocar o Brasil no panorama da elite mundial. Partindo de sua magnífica mansão em estilo neoclássico da praia de Botafogo e depois no sensacional apartamento na Rua Tucuman, Carlos e Gilda conseguiram fazer passar por seus salões todas as figuras mais significativas do “grand monde” que visitaram o Brasil entre a década de 1920 até o final da década de 60.


Foto: bem relacionados com o poder, os irmãos Guinle eram presença marcante nos eventos sociais e esportivos. Na foto Carlos Guinle à esquerda de gravata borboleta, sempre munido de seu habitual charme e bons modos, entretém seus interlocutores entre os quais o Presidente Getúlio Vargas (de terno branco e gravata clara)

Sobre Carlos Guinle, o Jornal “O Imparcial” de junho de 1937 publicou “Doutor Carlos Guinle: Há 18 anos o Sr. Carlos Guinle vem prestando ao Automóvel Club os mais desinteressados serviços. É obra sua, exclusivamente sua, a realização dos torneios que essa sociedade vem realizando. Comparece às reuniões, discute “casos”, opina e é acatado. Presidente de honra do A.C.B. na Europa onde seguirá dentro em breve, não será por certo esquecido, porque é, quando mais não seja, um entusiasta do automobilismo....”

Os Guinle não mediram esforços para acrescentar prestígio e glamour social ao Rio. Já em 1931 receberam em visitas dois jovens ingleses, o Príncipe Edward, então Príncipe de Gales (futuro Rei Eduardo VIII) com seu irmão o Príncipe Albert, então Duke de York (futuro Rei George VI, pai da Rainha Elizabeth II) Ainda em novembro de 1936 Carlos e Gilda Guinle receberiam o Presidente Franklin Roosevelt em sua casa conforme relata Clóvis Bulção em seu famoso livro “Os Guinle, história de uma dinastia”. 

Os filhos de Carlos Guinle foram Jorginho (1916-2004) e Carlinhos (1918-1955) e ambos viriam a ser duas das figuras mais queridas e conhecidas da alta sociedade brasileira e se tornaram “lendas” ao seu próprio modo.

Quando Nano já estava instalado no Rio por volta de 1946/47 adquiriu um MG. A marca britânica era famosa por seus pequenos carros esportivos que fizeram um enorme sucesso nas provas inglesas e européias nos anos 30.  Durante a Guerra os pequenos e rápidos MGs eram os carros favoritos dos pilotos da heróica Royal Air Force (RAF).

Não se pode dizer que Nano fosse um “iniciante” no assunto. Nano já tinha aprendido com seu falecido pai a apreciar carros “puro-sangue”. A família já tinha tido dois Bugattis em suas garagens na França.

Nano recordou:

- O Carlinhos Guinle, filho do presidente do Automóvel Clube do Brasil, importou 40 carros desta marca na época e todos os rapazes do Rio compraram um. Fizemos corridas na Boa Vista e até mesmo no Flamengo”, relembra. 


Foto: O Automóvel Club no Brasil na sua tradicional sede na Rua do Passeio (centro do Rio de Janeiro). A entidade nasceu como um clube de elite para os proprietários de automóvel. Como em outros dos seus imóveis, Carlos Guinle providenciou os serviços do arquiteto francês Joseph Gire para reforma interna e elementos decorativos externos em estilo neoclássico (ou “beaux-arts”) escola arquitetônica francesa na qual Gire fora formado e segundo a qual projetou várias de suas obras neoclássicas como os Hotéis Glória e Copacabana Palace. 


Foto: Carlinhos Guinle aqui visto entre seu parceiro musical Dorival Caymmi  (à esquerda de camisa aberta) e Fernando Lobo. Falecido prematuramente em 1955 Carlinhos deixou composições clássicas como “Sábado em Copacabana“.

Eventualmente Nano teria participado com o MG TC do I Prêmio Crônica Esportiva Carioca. O Prêmio Crônica Esportiva era realizado no Circuito da Quinta da Boa Vista nos arredores do Palácio Imperial de São Cristóvão (hoje Museu Nacional). Embora algumas fontes dêem a data dessa corrida como 10/3/48 acreditamos que essa prova tenha feito parte do programa do 3º Circuito da Quinta da Boa Vista em dezembro de 1947, que segundo Paulo Scali em seu livro “Circuitos de Rua” teriam sido realizadas quatro provas preliminares duas para carros e duas para motos. As de carros seriam uma para carros de turismo de 1200 a 2500 cc, onde se encaixariam os MG como o TC de Nano com motor de 1250cc. A prova principal do evento era uma corrida para carros Grand Prix. Nano teria obtido o 3º lugar na prova para sua categoria, mas não podemos descartar que Nano tivesse feito outras provas, também em circuitos urbanos no Rio.

Em 12/12/48 Nano participou do Circuito da Praça Paris onde chegou em quarto lugar em prova vencida pelo célebre Chico Landi;

Paulo Scali em seu livro “Circuitos de Rua” descreve que no dia da prova o presidente Dutra foi almoçar com sua comitiva em Petrópolis. Saindo do Palácio do Catete em direção ao centro o grupo se deparou com as ruas interditadas e o chefe do cerimonial pediu  que a corrida fosse suspensa até que a comitiva passasse. O grid foi composto por onze concorrentes com carros de até 2 litros, entre os quais Chico Landi, Gilberto Machado, Carlos Guinle Filho, Nano, Mário Pólo e Gino Bianco. Após a partida Gilberto Machado tomou a ponta, mas na terceira volta foi ultrapassado por Chico Landi (MG TC) que a manteria até o final das 25 voltas previstas. Gilberto Machado (Citroen) manteve o segundo posto, trazendo em terceiro e quarto Carlos Guinle Filho e Nano (ambos em MG TC).


Foto: Circuito da Praça Paris – Rio de Janeiro 12/12/1948- Nessa prova vencida por Chico Landi (MG TC, foto da bandeirada final) estava Nano também em um MG TC que terminaria em 4º lugar e se se recordou que a prova chegou a ser interrompida para trânsito da comitiva presidencial do Presidente Dutra (foto site Histórias que vivemos).


Fotos: Acima e abaixo: O primeiro Circuito de Botafogo em 1956. Acima o MG TC de Aylton Varanda. Abaixo o grid de largada com MGs TC e TD. Esses carros viraram febre entre os jovens esportistas. Em 1947/48 Nano foi um dos estreantes desses carros nas provas cariocas (Fotos Livro Paulo Scali Circuitos de Rua/ Site Nobres do Grid).


 


Foto: os MGs continuaram a ser usados em provas brasileiras por muito tempo. Um MG TD nº 41 de “Bengala” no Circuito do Castelo no Centro do Rio 1954. A categoria de carros esporte até 1,5 litros foi vencida Délio Antunes em outro MG TD.


PARIS e UM ASTON MARTIN

Voltando regularmente à Europa para férias e sem se livrar do “vírus” das corridas, Nano foi assistir as 24 horas de Le Mans onde ficou impressionado com a performance dos novos Aston Martins DB2. 

O controle da Aston Martin tinha sido adquirido por David Brown alguns anos antes. Em seguida a marca incorporou a Lagonda que produzia avançados motores de seis cilindros e duplo comando de válvulas projetados por W.O Bentley e William Watson. 

Embora com cilindrada relativamente baixa (inicialmente com o motor Lagonda 2,6 litros de pois aumentado para 2,9 litros) os DB2 vinham se provando com muito sucesso em Le Mans e provas internacionais vencendo regularmente na categoria até 3 litros. 


Foto: 24 hs de Le Mans 1951.(23 a 24/6/51):  Os Aston Martin DB 2 terminaram em 3º, 5º e 7º na classificação geral, superados apenas por carros de cilindrada superior, sendo 1º, 2º e 3º na categoria esporte até 3 litros. O carro de Reg Parnell/ David Hampshire terminou em 7º (foto site hiroboy) 

Perspicaz, Nano viu que o mundo estava mudando. Enquanto várias marcas do continente europeu, principalmente as francesas, ainda se apoiavam em tecnologias e designs do pré-guerra, Nano viu que vinha vindo toda uma nova geração de carros esportivos menores, mais leves e mais potentes que, entre o final dos anos 40 e início dos 50, iriam determinar o padrão do moderno carro esporte europeu.

Logo Nano foi apresentado ao patrão da Aston Martin, David Brown e se tornou amigo dos pilotos como Reg Parnell, Lance Macklin e do futuro astro da F-1 Peter Collins que ainda dava seus primeiros passos na marca britânica.

Seguindo o padrão da época, um piloto devia antes se provar como amador para depois aspirar a um lugar semi-profissional ou profissional em uma equipe estabelecida

Voltando à França em definitivo Nano adquiriu em 1953 um Aston Martin DB2/4 MK I  importado por Marcel Blondeau da famosa “Garage Majestic Automobile” localizada no número 43 da Rue Bayen em Paris. 

Ao frequentar a importadora francesa da marca conheceu Michel Poberevsky (mais conhecido nas pistas com o pseudônimo Mike Sparken) que também tinha comprado um carro do mesmo modelo e com as mesmas “más” intenções, ou seja, usar imediatamente o carro em rallies e corridas. Pelos números de chassis presumimos que a compra de Mike Sparken tenha sido um pouco anterior, pois o carro de Sparken era um DB 2 e o de Nano um DB2/4 MK I

Logo se tornaram amigos e “cúmplices” nas corridas. Entre 16 e 17/5/53 uma das excursões vitoriosas de Nano com o Aston Martin foi o Rally de Sablé-Solesmes na região oeste da França entre Sablé sur Sarthe e Solesmes promovido não por acaso pelo mesmo Automobile Club de L`Ouest que promove as 24 horas de Le Mans. Uma das etapas do rally era uma prova de quatro voltas no circuito das 24hs de Le Mans (Circuito de La Sarthe) Com mais de 200 participantes entres os quais vários Jaguars, mas também Talbots, Delahayes, Porsches etc, o único Aston presente era o de Nano que venceu tanto na sua categoria como na Classificação Geral.


No ano seguinte ao da vitória de Nano (1953) o anuncio do rally de 1954 apresenta carros coloridos conforme a nacionalidade: vermelhos italianos, azuis franceses e verdes ingleses tendo ao fundo a Catedral de Le Mans).

De 5/9 a 13/9 de 1953 Nano já estava em seu primeiro “Tour de France” compartilhando o Aston Martin de Mike Sparken, mas um quebra dos amortecedores os deixou fora da prova vencida por Pierre Dumay e Antoine Caussé com Ferrari 166 MM


Foto: (Bonhams) Tour de France (setembro de 1953). Nano e Mike Sparken compartilham o Aston Martin DB2 1952 deste último. O chassi é o LML/50/155

De 2/11 a 5/11 de 1953 Nano participou do 7º Rallye du Maroc onde problemas de motor o deixaram fora da disputa.


Foto: na largada do Rallye Internacional de Marrocos Nano é visto com seu belo Aston Martin DB2/4 MK I. A cor seria azul claro metálico e o chassis seria o LML 693 (foto: Automobile Historique)

Em 4/4/54 com o Aston Martin Nano venceu a Coupes de Vitesse em Linas-Montlhéry, em 16 voltas superando o Aston Martin de Sandt, o Jaguar de Michel Parsy, o Porsche 356 de Olivier e a Delahaye de Henri Auriac. Nano também assinalou a melhor volta da prova com 2`43”3.

Em 25/4/54 sempre com o Aston Martin, ficou em segundo lugar na Coupes de Paris novamente no circuito parisiense de Linas-Montlhéry superado apenas pelo mais potente e mais leve Jaguar C type de Duncan Hamilton, mas deixando para trás o Gordini monoposto de Jean Thépenier e a Ferrari de Rodansky em uma prova de 16 voltas ou pouco mais de 100Kms.

Mas a paixão de Nano pelos Aston Martins tinha nascido em Le Mans e era lá que Nano queria levar seu carro para correr.

Em 1954, com o Aston DB 2/4 em dupla com Jean Paul Colas, Nano estréia nas 24 hs de Le Mans (12 -13/6/54) mas uma falha na transmissão (ou falha no eixo traseiro/suspensão traseira?) os obriga a abandonar após 14 hs de prova quando disputavam a liderança da categoria até 3 litros. Foi o segundo brasileiro a correr em Le Mans após Bernardo Souza Dantas em 1935.

No Tour de France de 1954 em setembro de 1954 Nano novamente participou desta vez com seu próprio Aston Martin DB 2 com Jean Da Silva Ramos mas não terminou a prova vencida pelo Gordini T15 S de Jacky Pollet/Gouthier.

 

UM BAR EM PARIS

O franco americano Harry Lawrence O`Reilly Schell ou simplesmente Harry Schell para os amigos era nascido em Paris filho de pais americanos. 

Os pais de Harry, Laury e Lucy Schell, foram ambos fanáticos por automobilismo e parceiros em rallies. O casal financiava uma equipe chamada Ecurie Bleue que competiu ao longo dos anos em grandes prêmios, provas de carros esporte e até em Indianapolis. 

Com a morte de Laury em um acidente, Lucy continuou mantendo a equipe e não foi surpresa que o filho Harry se tornasse um piloto

Harry Schell perfazendo o tipo de “um americano em Paris”, playboy, com uma personalidade “flamboyant”, logo agregou toda a comunidade automobilística francesa em um bar do qual era sócio. Esse bar apropriamente denominado “L`Action Automobile” ficava no número 65 da Avenue D`Iéna, portanto, muito próximo ao Arco do Triunfo e da Avenue du Champ D`Elysees de onde seus clientes mais animados saiam e voltavam para disputar “rachas” em altas horas da noite.

Além de Schell, foi lá que Nano conheceu e se tornou amigo de todos os grandes pilotos franceses da época e de frequentadores ocasionais que vinham do outro lado do Canal da Mancha como Lance Macklin e Peter Collins.

Entre outros Nano também fez amizade com Edmund Gurner Nelson ou simplesmente “Ed” ou “Eddie” Nelson, técnico de bosbleigh e avido praticante de boxe, surf, ski e melhor amigo e parceiro de aventuras de um nobre espanhol com um nome longo e um bom lugar na linha de sucessão do trono da Espanha.

Seu nome e títulos? 

Alfonso Antonio Vicente Eduardo Blas Angel Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Ayre, 13 º Conde de La Mejorada, Conde de Pernía, 5º Marques de Moratalla, 11º Marquês de Portago, Duque de Alagón e Grande de España, mais conhecido como Alfonso de Portago ou simplesmente “Fon” para os íntimos

Portago aparecia no bar saído de seu ultra-chic endereço na Avenue Foch, 40, em Paris

Um dia Nano sugeriu que Ed Nelson fosse com Portago para assistir um Rally do qual ele competiria, o Rally Sablé-Solesmes. Como já relatamos acima, Nano venceu a prova em seu Aston Martin e De Portago descobriu o automobilismo o qual rapidamente adicionou à longa lista de esportes perigosos que já praticava.

Depois de um aperitivo no bar essa turma entre os quais Nano e de Portago eram vistos nos restaurantes e nos night-clubs parisienses como o famoso” L`Elephant Blanc” na Rue Vavin, 24, frequentado pela alta sociedade francesa, artistas de hollywood e o “jet-set” internacional.

Os contatos sociais com esse pessoal e resultados expressivos chamavam a atenção e no caso era natural que Nano viesse a ser sondado por uma equipe de ponta francesa e assim foi.

É necessário observar que as grandes marcas do esporte automobilístico francês estavam em seu ocaso. Nomes como Bugatti, Delage, Delahaye, Hotchkiss, Salmson e outros estavam lutando com enormes dificuldades financeiras e literalmente se equilibrando à beira do abismo. 

O nome forte dos carros de competição franceses do pós guerra, Talbot-Lago também começava a esmorecer com a mudança do regulamento da F-1 no final da temporada de 1951

O nome que parecia ainda capaz de levar as esperanças francesas nas pistas era Gordini. Amedee Gordini se especializava nas baixas cilindradas, mas evoluiu para os carros de F-2 e depois para F-1

 

O COMEÇO NA EQUIPE GORDINI

Amedee Gordini, nascido na Itália (Amedeo Gordini) se mudou para Paris logo após a primeira guerra mundial e se naturalizou francês. Sua habilidade em mecânica o levou a abrir uma oficina em Paris que também era uma representação dos carros FIAT.

Gordini começou a correr com os Fiats que ele mesmo preparava com tal habilidade que ficou conhecido pelo apelido de “le sorcier” ou o “o mago” ...da mecânica, bem entendido.



Foto: Emblema da Gordini e Amedée trabalhando um de seus motores (foto site retroauto)

Quando a Simca passou a montar carros Fiat sob licença logo houve uma associação para fazer os Simca-Gordini de competição. No pós guerra Gordini seguiu com carros esporte e monopostos apenas com sua marca Gordini e logo tinha em torno de si os melhores pilotos franceses como, inicialmente, o grande astro francês  do pré-guerra, Jean Pierre Wimille e depois a nova geração de Jean Behra, Robert Manzon e Maurice Trintignant, além de alguns futuros grandes astros como Juan Manuel Fangio.


Foto: Carrera Panamericana (México) 1953 Um dos maiores ases franceses dos anos 50, Jean Behra, aguarda a largada ao lado de seu Gordni T24 S. Todos os melhores pilotos franceses da época guiaram para a Gordini. (foto site mecanicus)

Gordini também frequentava o bar “L`Action Automobile” onde divertia seus companheiros de copo, entre os quais vários talentos emergentes do automobilismo francês

Era quase que natural que Nano viesse a ser convidado por Gordini para sua equipe.

E assim foi. Gordini chamou Nano e Jacques Victor Marie-Joseph Pollet ou simplesmente Jacky Pollet, para um teste no circuito de Linas- Montlhery nos arredores de Paris e ambos foram incorporados à equipe 

Com sua experiência em carros-esporte Nano passou a pilotar os Gordinis da categoria esporte a partir do final de 1954 onde estava bem à vontade

Em 10/10/54 Nano já estava presente com um Gordini Sport nas Coupes du Salon  em Montlhery. Com um Gordini T15 S de dois litros Nano larga de um bom 6º lugar mas abandona após 20 das 24 voltas previstas. A prova foi vencida por Jean Behra Gordini T23 S de 3 litros que superou a Ferrari 375 MM de Masten Gregory, o Jaguar C Type de Duncan Hamilton, a Ferrari 375 de François Picard e o Talbot T 26 GS de Pierre Levegh. Na categoria de Nano (sport até 2 litros) venceu o Maserati A6 CGS de Benoit Musy (6º na geral) e na categoria até 1,5 litros venceu Stirling Moss com Connaught ALSR (10º lugar na geral).

De 17 a 20/1/55 Nano e Jean da Silva Ramos participaram do famoso Rally de Monte Carlo com o Aston Martin que recebeu o numero 383 e partiu de Lisboa e terminou em 46º na classificação geral do Rallye vencido pelo Sunbeam dos noruegueses Per Malling e Gunnar Fadum.

Em seguida Nano seguiu o cronograma da Gordini pelas então colônias francesas no Norte da África. Em 27/2/55 Nano estava no Marrocos com a Gordini para o GP de Agadir. Nano disputou a categoria esporte acima de 2 litros com um Gordini T15S com motor de 2,5 litros terminando em um bom 5º lugar superado apenas por carros mais potentes entre os quais a Ferrari 750 Monza de Mike Sparken, os Gordinis T24 S 3 litros de Franco Bordoni e Andre Guelfi e a Ferrari 750 Monza de François Picard.

Em 13/3/55 Nano já estava no Senegal para o GP de Dakar disputado na categoria esporte com um Gordini T15S com motor de 2,5 litros terminando em um bom 6º lugar superado apenas por carros mais potentes entre os quais as Ferraris 750 Monza de Piero Carini (vencedor) e Louis Rosier, o Jaguar D Type de Duncan Hamilton, o Gordini T24 S 3 litros de Franco Bordoni e a Ferrari 750 Monza de Jacques Swaters. Nano chegou na frente das Ferraris 750 Monza de Jean Lucas e Paul Maret, do Maserati A6GCS de Luigi Musso e do Jaguar C -Type de Dan Margulies/Graham Hill.

 De volta à Paris a equipe vai participar das Coupes de Vitesse em Linas- Montlhery onde Nano vence com o Gordini T15 S com o motor de 2,5 litros na frente do Gordini T15S 2.0 de Charles Rinen (Henri de Clarens) e de uma oposição de Jaguares XK 120, Porsches 550, etc

Em 17/4/55 é a vez das Coupes de Paris, também em Montlhery reunindo carros esporte e monopostos de diversas categorias. Com o mesmo Gordini esporte, o T15S 2.5 Nano fica em oitavo lugar diante de uma oposição bem mais relevante em que Andre Guelfi venceu com o Gordini T16 S (monoposto) deixando o D Type de Duncan Hamilton em segundo lugar seguido das Ferrari 750 Monza de François Picard, da Ferrari 375 monoposto de De Portago e da Ferrari 750 Monza de Piotti


Foto: Coupes de Paris 17/4/55 (Circuito de Montlehry nos arredores de Paris). Animada palestra entre os pilotos. À esquerda Nano de capacete vermelho. Ao centro De Portago com jaqueta preta e quase de costas James Duncan Hamilton. Apesar de Duncan Hamilton já ter vencido Le Mans com Jaguar, no ano seguinte,1956, ele curiosamente partilhou uma Ferrari com De Portago nas 24 hs de Le Mans.(foto site bandeira quadriculada)

No entanto, Nano reteve seu Aston Martin DB 2 com o qual foi liberado para participar e vencer uma corrida de carros esporte em Marselha, a Coupe Rene Larroque, em 24/4/55, quando deixou em segundo lugar o Salmson de René Cotton.

Em seguida levou o Aston Martin para participar das Mille Miglia na Itália, de 1955 (31/4 a 1/5/55). A histórica Mille Miglia vencida por Stirling Moss/Denis Jenkinson no lendário Mercedes Benz 300 SLR. Nano secundado por Jean Claude Vidilles chegou em um ótimo 16º lugar na geral e 5º na categoria GT sendo que os três primeiros na categoria GT foram Mercedes 300 SL com apoio de fábrica. Presentes estavam os Aston DB2/4 inscritos pela fábrica sendo o nº 418 do jornalista/piloto Paul Frère em dupla com o fotógrafo Louis Klemantaski e o nº 436 de do jornalista/piloto Tommy Wisdom com Peter Bolton. Ambas as duplas não terminaram com problemas de embreagem


Foto: Mille Miglia 1955: O Aston Martin de Nano e Jean Claude Vidilles recebeu o nº 441 significando que largou às 4:41 da manhã para a difícil e perigosa prova italiana ( foto site bandeira quadriculada)

Apesar do bom resultado Nano não gostou da experiência e achou a prova perigosíssima devido à inevitável presença do público na beira da pista. Ano após ano os acidentes se repetiam até que a prova foi proibida após a tragédia da edição de 1957

Em 15/5/55 Nano e Jacky Polet compartilham o Gordini T15 S 2.0 nas 14 Hs de Paris, a “Bol D`Or” em Monthlehry. Após liderar a competição por mais de 6 horas e Nano assinalar a melhor volta da prova, a dupla enfrenta problemas mecânicos e cai para o 4º lugar na geral e 2º na categoria até 2 litros. A prova foi vencida pelos Porsches 550 de Veuillet/Olivier e Jeser/Bousquet deixando em terceiro o Maserati A6GCS de Guyot/Parsy

Em 29/5/55 Nano foi fazer uma corrida na Itália, o GP Supercortemaggiore em Monza em que pela primeira vez pilotou um Ferrari, no caso uma 750 Monza (chassis 0440 M) em dupla com Jean Lucas. Era uma corrida de 1.000Kms que reuniu a “nata“ dos pilotos europeus e internacionais e foi marcada por uma monumental disputa “Ferrari x Maserati”. 

A prova também foi marcada pelo luto, pois poucos dias antes morrera Alberto Ascari também ao volante de uma Ferrari 750 Monza em um teste particular. Em uma prova ultra competitiva a Ferrari de Nano/Lucas partiu de um bom 7º lugar no grid, mas não terminou. A prova foi vencida pela Maserati 300 S de Behra/Musso que deixou em segundo a Ferrari 750 Monza de Hawthorn/Maglioli seguida pela Maserati 300S de Mieres/Perdisa e a Ferrari 750 Monza do nosso Chico Landi em dupla com Franco Cornacchia.


Foto: O GP Supercortemaggiore em Monza (29/5/55) foi marcado por um monumental duelo entre as Ferraris 750 Monza e as Maseratis 300 S. Nano em dupla com Jean Lucas largou em 7º e seria o carro nº 52 na terceira fila no canto superior esquerdo. A nº 20, na segunda fila, no canto direito em 6º no grid era a de Chico Landi e Franco Cornacchia. Os três primeiros chegariam na mesma ordem da largada. A Maserati nº 68 de Behra/Musso a Ferrari nº 16 de Hawthorn/Maglioli e a Maserati nº 70 de Mieres/Perdisa. (foto Wikipedia)

Sobre a Gordini, o que Nano foi descobrir com o tempo é que a Gordini, a respeito das demais marcas francesas de carros esportivos e de competição, lidava com enormes dificuldades financeiras, Restrições orçamentárias para praticamente tudo limitavam o desenvolvimento dos carros e Gordini era um “equilibrista” no sentido que sempre estava financeiramente na “corda bamba”. Na organização interna a palavra “improvisação” era a ordem do dia.

Mas o nome Gordini era popular e parecia congregar as esperanças francesas nas pistas, além do que o ambiente interno da equipe era bom e Gordini e seus pilotos eram todos amigos entre si, mantendo um clima amistoso e divertido

Nano voltou a Le Mans em 1955 já então pela equipe oficial da Gordini que trazia um modelo T 24 S (Manzon/Bayol) para a categoria de 3 litros e um T15 S (Nano/Jacky Pollet) para a categoria de 2 litros.

As 24Hs de Le Mans de 1955 (11 a12/6/55) se anunciavam sensacionais pois se aguardava um monumental duelo de Mercedes Benz, Jaguar e Ferrari na Categoria principal (até 5 litros) e ótimos duelos nas categorias inferiores com Maserati, Aston Martin, Cunningham, Gordini, Porsche, Cooper, Triumph, Austin Healey, Frazer Nash, Lotus, Osca e outros em uma disputa entusiasmante.


Gordini T15 S disputou Le Mans em 1955 na categoria até 2 litros


O Gordini T 24 S disputou Le Mans em 1955 na categoria até 3 litros