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Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 8)

• Por Alfa Romeo
Capítulo 8 do incrível artigo elaborado por Alberto Maurício Caló sobre o Circuito da Gávea.
Circuito da Gávea: 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro (Cap. 8)

CIRCUITO DA GÁVEA – 1937 - GP Cidade do Rio de Janeiro

(PARTE 7)                                                                         Por Alberto Maurício Caló


The Golden Era (a era de ouro das corridas de automóveis)

Automobilismo esportivo nos anos 1920:

Não existia a Fórmula 1, mas certamente já existiam corridas de automóveis. No início eram corridas longas por estradas sequer pavimentadas que se destinavam mais a demonstrar a robustez do que a velocidade, pois poucos as terminavam. Depois os Clubes de Automóveis (Automóveis Clubes) entraram na organização e começaram a fazer regulamentos. 

Poucos tinham automóveis. Os que tinham bons automóveis gostavam de ter motoristas particulares e esses motoristas eram muitas vezes os ex-cocheiros que conduziam as carruagens da família, assim como os motoristas de taxi eram os ex-cocheiros de coches ou tílburis de aluguel. 

Não existiam “karts” ou categorias de acesso para formar pilotos. Os pilotos tendiam a ser os pilotos de teste das fábricas, muitos ex-mecânicos e engenheiros ou técnicos que gostavam da velocidade e a outra origem dos “ases do volante” eram os clientes abonados que gostavam de dirigir eles mesmos seus carros. Eventualmente um piloto de motocicletas encontrava também um futuro em quatro rodas.

Mesmo assim os carros eram caros e valiosos demais como meios de transporte para que alguém fosse maltratá-los em corridas.

Nos anos 20 a situação foi mudando, os carros foram se popularizando, mais clientes se interessaram em dirigir e correr e as fabricas começaram a ver as corridas como uma forma de propaganda de seus produtos.

Se os americanos foram mais ágeis na padronização de peças, na introdução das linhas de montagem e na popularização dos carros, a Europa continuava à frente no automobilismo sofisticado, com regulamentos que permitiam e incentivavam a evolução técnica, transcendendo aos conceitos básicos de reduzir o peso e aumentar a potência que ainda eram os dois pilares das corridas de automóvel.

A essência do automobilismo no mundo era arrumar um carro por natureza potente e nos mais das vezes de grande cilindrada, depená-lo até reduzir seu peso ao mínimo e transformá-lo, na medida do possível, em um carro de corridas com expedientes de preparação limitados.

Mas. como falamos, já existiam carros de corrida onde mirar para se inspirar. Mas eram poucos e normalmente pertenciam às equipes das fábricas. 

As corridas não eram inseridas em campeonatos e conforme o montante do prêmio, a natureza dos inscritos, os tipos de carros elas se “rotulavam” como provas de primeira grandeza  (em francês, “Grands Epreuves”)  e/ou provas menores, de natureza mais local e menos internacional, embora a expressão “Grand Prix” fosse comum tanto a provas mais representativas como a provas menores que atraíssem carros da categoria “Grand Prix” e -nos países sem regulamentação- carros Grand Prix junto com carros força-livre  (“libre”).

Em meados dos anos vinte, várias coisas aconteceram.

Nas corridas de Grand. Prix os pilotos foram desobrigados de carregar um mecânico ou co-piloto ao lado, permitindo aos carros de Grand Prix se converterem de bipostos para monopostos. Foram sendo colocadas restrições ou segmentações para as cilindradas nas provas européias, proibindo os “monstros” de força livre e foram estipuladas certas regulamentações de peso, distância das provas etc.

De 1921 a 1927 as competições européias de Grand Prix foram nas fórmulas que limitaram as cilindradas em 3 litros (3.000cc), 2 litros (2.000cc), 1,5 litros (1.500cc) e 1,1 litros (1.100cc), mas já permitindo a adição de compressores.

Os motores em meados dos anos 20 se tornaram peças sofisticadas de 1,5, 2 ou 3 litros com compressor. Os motores eram miniaturizados (nessas pequenas cilindradas se abrigavam seis, oito, doze ou dezesseis cilindros) com cabeçotes com duplo comando de válvulas e começaram a surgir os freios de comando hidráulico e outros aprimoramentos. Materiais leves eram a ordem do dia.

O carro de “grand prix” europeu se tornou um monoposto sofisticado e os carros de esporte para provas de longa duração foram se sofisticando nessa esteira. 

Mais importante ainda, algumas fabricas começaram a produzi-los em quantidade e vendê-los a clientes particulares do mundo todo.

A Bugatti foi uma das primeiras ao lançar seu imortal tipo 35 (ainda biposto). Um carro pequeno leve e ágil. Construído às centenas, com peças intercambiáveis com suas evoluções posteriores. Como facilidade adicional podiam ser adicionados pequenos para-lamas e faróis transformando o carro de “grand prix” em um competitivo carro esporte também.

Entre 1925 e 1930 os Bugattis ganharam centenas de corridas desde Grand Prix, subidas de montanha, provas de longa distância ou “endurance”, etc.

E esses carros, sem prejuízo de uma “equipe de fábrica”, eram vendidos a particulares, normalmente clientes ricos que corriam eles mesmos ou montavam suas equipes amadoras. E a Bugatti vendia ao exterior alguns carros montados “a gosto do freguês”, prática muito importante para países onde ainda as provas eram basicamente uma “força-livre” sem maiores regulamentações.

No caminho da Bugatti, mas sem a mesma expressão, seguiram o exemplo na Itália a Alfa Romeo, a Maserati, a OM, na França a Delage, Talbot, Delahaye, Salmson, Amilcar, na Grã- Bretanha a Bentley, MG, Riley, Frazer-Nash, Lagonda, SS (Jaguar), Lea Francis, Aston Martin, e mais algumas marcas famosas, muitas das quais desaparecidas há décadas.


O início da era dourada e seu primeiro período (1934-1937)

De 1928 a 1933 as corridas de Grand Prix voltaram à um regulamento “livre” ou “força-livre”.

Por volta de 1930 o panorama das corridas europeias contemplava as corridas de Grand Prix, notoriamente dominadas por Bugattis e Alfa Romeos com cilindradas crescentes mas dentro de conceitos evolutivos, complementados eventualmente por marcas coadjuvantes como a Maserati. Mas as duas primeiras tinham um domínio tão grande que muitas provas eram simplesmente um grande jogo de “Alfa x Bugatti”. Nos grandes prêmios fora do eixo principal europeu, esses carros se defrontavam com carros “força-livre” de várias origens e espécies inclusive carros europeus e americanos de luxo, depenados e transformados em especiais de corrida.


Foto: o ocaso de uma era de glórias para a Bugatti O campeão monegasco Louis Chiron com seu Bugatti T51 por ocasião do GP da França de 1931 que venceria em dupla com Achille Varzi.  Reinando durante a segunda metade dos anos 20 até o início dos anos 30 a Bugatti venceu centenas de Grand Prix. Mas em 1932 iria enfrentar a oposição das novas Alfas P3 e Maserati e daí para frente começaria ocaso da marca. Já Chiron mais conhecido por sua habilidade ao volante, seu estilo limpo e suas cambiadas “perfeitas” teria uma longa carreira pela frente. 


Nas provas de carros esporte havia variedade bem maior, ainda existindo os gigantes de alta cilindrada, relativamente sofisticados, como os magníficos Bentleys e Mercedes Benz com motores grande cilindrada e compressores e outros de menor cilindrada de uma infinidade de marcas entre os quais o esportivos da Alfa Romeo, Bugatti, Maserati, Delage, Delhaye , MG, Riley, OM etc.

Por fim, foi criada uma categoria de monopostos ou bipostos de baixa cilindrada (chamados em francês de “voiturettes”) onde além de carros Bugatti, Amilcar, Salmson mais antigos competiam os mais novos Maseratis, e depois viria uma bela oposição inglesa dos ERAs (English Racing Automobiles), MGs especiais, Rileys, etc.

Esse panorama bem estabelecido vigorou tranquilamente entre o final dos anos vinte e os primeiros três anos da década de trinta até que a antecessora da FIA então chamada “Association Internationale des Automobile Clubs Reconnús – AIACR” determinou entrasse em vigor a nova “fórmula” de Grand Prix a vigorar a partir de 1934, com limite de peso de 750 kgs sem pneus e líquidos, com largura mínima e outras poucas especificações, mas sem limite para a capacidade dos motores.

Como Alfa, Bugatti e Maserati estavam lançando motores já com cerca de 3 litros e compressores muito potentes, os “luminares” da AIACR acreditaram - equivocadamente - que o limite de peso iria conduzir a motores e conjuntos mecânicos menores, limitando a potência e a velocidade dos carros. 

E foi justamente o contrário que aconteceu.

Aumentou a potência e a velocidade, mas não foi absolutamente a volta de uma “força livre” pouco sofisticada nem de um “vale-tudo” grotesco.

Ao contrário, ainda que liberada a cilindrada, os carros produzidos entre o final de 1933 até meados de 1939 nas vésperas da segunda guerra mundial estabeleceram um novo “padrão” técnico. Esse um padrão subiu tanto de nível que se tornou uma nova “régua” a partir da qual se avaliaria tudo que viria nas décadas a seguir.

Tanto que por anos e anos os recordes dessa época ainda foram as referências de todo o mundo automobilístico (vamos ver em seguida como isso permanece até os dias de hoje).

Como é bem sabido à três primeiras marcas acima se juntaram a Mercedes Benz e a Auto Union, inicialmente incentivadas por verbas do governo alemão, mas que ao contrário de italianos e franceses tinham verdadeiros grupos industriais automobilísticos por trás de si, que fizeram projetos totalmente novos e deram grande impulso técnico ao automobilismo. A Mercedes seguiu, como veremos a seguir, um caminho evolucionário e a Auto Union um ousado caminho revolucionário e não há dúvida de que uma rivalidade “entre vizinhas alemãs” alimentou essa evolução em um momento em que italianos e franceses não conseguiam acompanhar o ritmo dos rivais. A exceção reside em momentos determinados que analisaremos com detalhe pois nesses momentos é que se insere a Gávea de 1937. 

Essa época que vai 1934 até 1939, compreendendo uma mudança de regulamento de 1938 para 1939, passou a ser conhecida como “The Golden Era” – a era dourada das corridas de automóveis ou “The age of titans” (a era dos titãs).

Sem recontar os detalhes dessa história já muito bem contada, vamos resumir rapidamente que aconteceu e as principais marcas envolvidas nas categorias “Grand Prix” e “voiturettes”. 

Esse resumo será precioso para o entendimento da importância da corrida da Gávea de 1937.


As grandes marcas da Golden Era

Vamos começar com Alfa Romeo, Bugatti e Maserati que seguiram uma linha evolutiva. 

ALFA ROMEO (1934-1937)

A firma milanesa, já então uma estatal, era uma produtora de carros de corrida e carros esportivos de luxo muito exclusivos. Do início dos anos 30 até a segunda guerra a produção mal chegava a mil carros por ano. O prestigio da marca milanesa se multiplicava com o sucesso obtido tanto com os carros de esporte como com os de Grand Prix.

Durante praticamente toda a “Golden Era” o braço esportivo da Alfa Romeo foi a Scuderia Ferrari sendo os carros normalmente construídos pela primeira e preparados e operados na pista pela segunda. Nos momentos de desavenças e “psicodramas à italiana” alguns modelos seguiram o esquema oposto, foram construídos pela Ferrari e depois incorporados à Alfa Corse. Por fim, também aconteceu da Ferrari e a Alfa Corse irem para a pista como equipes independentes e rivais. Engenheiros e mecânicos saiam de uma e iam para a outra conforme os desentendimentos da ocasião. Por fim, a Alfa comprou a Scuderia e manteve Enzo Ferrari na chefia de operações até o início a segunda guerra mundial. Leia-se a respeito a excelente biografia de Enzo Ferrari por Brock Yates. 

A Alfa contava com os projetos do lendário Vittorio Jano, que trouxe um de seus aprendizes o depois célebre Gioacchino Colombo, ambos na Scuderia Ferrari sob a chefia do famoso Luigi Bazzi. Com a nova geração dos 8 cilindros em linha projetados por Vittorio Jano, a Alfa Romeo conheceu um enorme sucesso desde 1931 com as novas Alfas 8 C.

Inicialmente com o motor 2.300 e depois com o 2.600, com chassis longo ou curto, ou na versão mais curta ainda chamada de “ Monza” em configuração de biposto de competição, a Alfa 8C e principalmente a 8C Monza era um eclético carro vencedor de provas longas, provas curtas, provas de estrada, provas de circuito, subidas de montanha e que, despojado de faróis e para-lamas e às vezes convertido em monoposto, se transformava em um competente carro de “grand prix” que seria visto por praticamente toda a década de 30 nas mãos de profissionais e amadores de todos os naipes. 


Foto: O empresário Mario Tadini (à esquerda na foto) foi um dos eventuais sócios e pilotos da Scuderia Ferrari. Especialista em subidas de montanha, ganhou diversas vezes a famosa subida de montanha de Stelvio (Passo dello Stelvio nos Alpes italianos) Aqui ele é visto com a 8C Monza da Scuderia Ferrari em magnífica imagem de época.

A Alfa monoposto P3 (oficialmente “tipo B”) lançada em 1932 foi o padrão do “carro vencedor” e reconhecidamente a Mercedes Benz estudou uma delas antes de construir seu monoposto de corridas. Nascida com lendário motor Alfa de 8 cilindros em linha com compressor que evoluiu de um pouco mais de 2,6 litros e 215 hp, para aprox. 2,9 litros com 255hp e 3,2 litros e 265 hp. Segundo muitas fontes alguns carros da Scuderia Ferrari receberam a versão de 3,8 litros e 330hp, que poderia já ser o motor do modelo que viria a seguir, a 8C 35, posto que vários especialistas afirmam que o antigo 8 cilindros em linha não comportaria mais do que os cerca de 3,2 litros.


Foto: A Alfa P3 dominou as corridas a partir de seu lançamento em 1932, mas enfrentou dias difíceis após a chegada dos alemães na nova fórmula dos 750 kgs. A P3 de tantas glórias é vista aqui em sua mais famosa vitória quando o “Mantuano Voador”, Tazio Nuvolari, obteve a “vitória impossível” no GP da Alemanha de 1935 contra as equipes completas da Mercedes Benz e Auto Union (veja-se a respeito nosso artigo “Tazio Nuvolari – A história de um campeão”, no site do Alfa Romeo Clube do Brasil).

As Alfas P3 foram também vendidas a particulares e junto com as 8C Monza formaram um batalhão de Alfas e “Alfistas” muito competitivos e vencedores no mundo todo durante a década de 30.

As Alfas tipo B ou P3 foram sucedidas pelas tipo C, ou seja, as 8C 35, as 12C 36 e 12 C 37.

As 8C 35 que estrearam em setembro de 1935, eram carros obviamente capazes e bem nascidos, incorporando toda a tecnologia da Alfa Romeo. Já com carrocerias aerodinâmicas  e suspensão independente nas quatro rodas, vieram com novos motores dentro de uma arquitetura bem conhecida e dominada pela Alfa Romeo, ou seja, o oito cilindros em linha com compressor de 3,8 litros e 330 HP.

O único problema é que os Alfas sempre ficaram 100 hps (ou mais) para trás dos alemães. As 8C 35 tiveram que contar com os “milagres” de Nuvolari e uma conjunção de fatores de pista, tempo, etc para derrotar ocasionalmente os alemães. É o que veremos na sequência desse artigo na narrativa da prova da Gávea onde uma conjunção de fatores permitiu a vitória de Pintacuda sobre Hans Stuck.


Foto: (Collier Collection/ The revs) GP Monaco 1936: Nuvolari com a Alfa 8C 35 é ladeado pelas novas Mercedes W 25 K de Carracciola à direita e Chiron à esquerda. Mesmo com 100/120 hps a menos, Nuvolari manteve na pista sinuosa e debaixo da chuva um espetacular duelo com Caracciola por muitas voltas, tido e havido como das mais belas demonstrações de habilidade dos dois maiores pilotos dos anos 30. Com a Alfa perdendo desempenho, o campeão alemão levou a Mercedes “na ponta dos dedos” à vitória sobre as Auto Unions de Varzi e Stuck, depois de quase quatro horas de corrida.


Foto: Uma Alfa 8C 35 em Indianápolis ? Uma das 8C 35 foi comprada logo após a “Vanderbilt Cup” de 1936 pela equipe de Bill White para o grande talento americano Rex Mays. O carro teve que se transformar em um “biposto” (foto) para cumprir o regulamento de sua primeira aparição em Indianápolis. Voltando à configuração monoposto o carro foi brilhantemente conduzido por Mays a um excelente 3º lugar na “Vanderbilt Cup” de 1937 atrás de Rosemeyer (Auto Union) e Seaman (Mercedes Benz) mas à frente de Von Delius (Auto Union) e da 12C 36 de Farina depois partilhada com Nuvolari que havia abandonado) colocando a Scuderia Ferrari em situação constrangedora de se ver batida tanto nos treinos como na corrida por uma Alfa “particular”. Em 1938 o carro foi reapresentado por Mays em Indianápolis quando largou em terceiro, chegou a liderar, mas não terminou.

Em maio de 1936 a Alfa lançou a 12C 36 praticamente no mesmo chassi e carroceria da 8C 35. O novo motor de 12 cilindros em V de 4,1 litros e compressor fazia a 12C um pouco mais potente 360/370 Hps (e um pouco mais pesada) e sem dúvida mais delicada de ajuste. Assim, durante as temporadas de 1936 e 1937, a Scuderia Ferrari levou as duas para as as corridas e, ilustrando essa dificuldade de ajuste, algumas vezes o próprio Nuvolari (primeiro piloto) preferiu usar a 8C 35 em detrimento da 12C 36. 

Tanto que na Gávea de 1937 veremos Brivio na 12C 36 e Pintacuda na 8C 35 como uma estratégia de ter um carro um pouco mais potente, mas delicado de regulagem (12C 36) junto com um carro mais confiável (8C 35).

No final de 1936 a Scuderia Ferrari começou a vender algumas 8C 35 a pilotos particulares, mas continuou usando o modelo na equipe oficial junto com as 12C 36 até o final de 1937, que seria o fim do regulamento dos 750Kgs sem limitação de cilindrada.

A 12C 37 ficou pronta somente no final da temporada, em agosto de 1937 e nunca foi um carro operacional para a Scuderia como veremos em seguida.


Apenas Nuvolari e Brivio ( foto) contaram com as 12 C 36 Copas Eifel (Eifelrennen) em Nurburgring em junho de 1936 enquanto Farina e Severi consuziram as 8C 35. Durante a prova com chuva e neblina Nuvolari chegou a liderar por várias voltas mas teve que se contentar com o segundo lugar atrás do Auto Union de um Rosemeyer “impossível” na neblina. A Scuderia Ferrari também ficou com o terceiro e quarto lugares de Brívio e Farina, à frente dos demais Mercedes e Auto Union presentes.

Apenas para corroborar o atraso na “corrida pelos HPs”, a 12 C 37 era um 12 cilindros com compressor com teóricos 430 HP, portanto 90 HP a menos que os teóricos 520 HP declarados para o Auto Union tipo C e cerca de 155 HP a menos que os declarados 585 HP (ou mais) das Mercedes W125.


A última esperança italiana: a Alfa 12 C 37 com 4,5 litros e 430 HP foi quase um “nati-morto”. Vista apenas em duas provas antes do fim do regulamento dos “750kgs” em 1937 e a entrada em vigor do regulamento de 3 litros com compressor em 1938. 

Na Copa Acerbo em Pescara, Guidotti, Nuvolari (foto) e Farina treinaram. Nuvolari largou, mas considerou o carro inviável por falta de rigidez torsional do novo chassis e entregou o volante para Farina dar algumas poucas voltas. Descartado pelos pilotos da Scuderia Ferrari (que preferiram disputar as provas restantes da temporada com 12C 36), um único 12C 37 foi inscrito no GP Itália pela Alfa Corse, “para salvar as aparências” nas mãos do lendário piloto de testes da Alfa, Giambattista Guidotti.


BUGATTI (1934-1937)

Em 1934 a Bugatti estava em dificuldades financeiras e seus anos de glória já eram um retrato do passado. Mesmo assim, apresentou uma evolução de seus monopostos. Seguindo com o famoso 8 cilindros em linha com compressor, os magníficos T 59 de 1933 eram muito bonitos e tinham um chassis rebaixado impressionante, mas estavam longe da performance dos alemães e a Bugatti foi se voltando aos carros esporte onde era mais competitiva e continuava a vender carros para um público consumidor mais amplo.


Foto: No início da Golden Era a Bugatti apresentou em 1934 o magnífico T59, (visto acima na foto de equipe no GP da França de 1934 com Nuvolari, Benoist e Dreyfus) .

Último e mais sofisticado descendente de uma linha com o clássico radiador em forma de ferradura típico dos Bugatti o T 59 nasceu curiosamente ainda “biposto” em 1934 estava com um motor de 3,2 litros com compressor. Com a última obra-prima de Ettore Bugatti (chamado por seus funcionários de “le patron”) a equipe de fábrica saboreou um último triunfo de Renè Dreyfus no GP da Bélgica de 1934, na ausência dos alemães e aproveitando a quebra das duas Alfas P3 da Scuderia Ferrari de Varzi e Chiron.  Depois a T59 recebeu um motor tipo 50 com 4,9 litros e compressor e cerca de 240 HP no que seria denominado “T59/50 A”. Na sequência veio o “T59/50 B” com carroceria aerodinâmica e um novo motor de oito cilindros em linha muito mais leve com 4,7 litros com compressor e teóricos 400 HPs, mas ainda longe de ser competitivo.


Notem que o cartaz do célebre ilustrador Georges Hamel (Geo Ham) para o GP da França de 1935 enumera as grandes marcas da “Golden Era” por nacionalidade. Por curiosidade, a SEFAC (citada ao lado da Bugatti) é acrônimo de “Societè de Etude e de Fabrication de Automobiles de Course” uma espécie de estatal francesa criada para “combater os carros alemães e italianos” que se revelou um total fracasso. Em 1935 (ano do cartaz) um SEFAC chegou a treinar nas mãos de Marcel Lehoux mas não largou no GP da França. Não confundir essa SEFAC com a denominação da Ferrari nos anos 60 denominada SEFAC – Ferrari (Societá Esercizio Fabbriche Automobili e Corse Ferrari). Juntando as cores dos países (a cor oficial da Alemanha era o branco, embora os carros fossem prateados) vemos a genialidade de Georges Hamel formando o “Bleu-Blanc-Rouge” da bandeira francesa e apropriadamente anunciando a prova no famoso circuito de Linas-Montlhery nas proximidades de Paris.


Foto: O grande Jean Pierre Wimille com o Bugatti T59-50 B já com carroceria aerodinâmica e um novo 8 cilindros em linha com aprox. 4,7 litros e compressor. Wimille conseguiu um brilhante segundo lugar na “Vanderbilt Cup” de 1936 atrás apenas da Alfa 12C -36 de Nuvolari em um evento em que, porém, os carros alemães não apareceram. 

Nessa primeira fase (1934/1937) a Bugatti começou em definitivo seu declínio como uma “marca de ponta” em monopostos. No entanto as provas de “grand prix” e as de “voiturettes” continuaram a ser “povoadas” com Bugattis de todas as idades desde velhos T35 com quase dez anos de uso até os mais recentes T 59, e uma quantidade de híbridos de chassis mais velhos e mecânicas Bugatti mais novas, a maioria nas mãos de seus valentes proprietários-pilotos amadores que galhardamente mantiveram os Bugattis nas pistas em todo o mundo até o início da segunda guerra mundial. Com a mudança de regulamento em 1938 o T59 recebeu carroceria ainda mais aerodinâmica e versões de 3 litros com compressor e 4,5 litros de aspiração normal, mas novamente não foram competitivos face à oposição alemã e italiana. Os Bugatti Grand Prix só prevaleceram em corridas de menor expressão, mas a empresa se dedicou às provas de carros-esporte onde continuou sendo uma força respeitada. 

Comprovando a perenidade dos velhos Bugattis com os amadores ao volante, curiosamente o último Grand Prix da “Golden Era” na Europa, o GP de Belgrado na antiga Iugoslávia, disputado em setembro de 1939 com a Segunda Guerra já iniciada, estavam presentes unicamente os Mercedes e Auto Union, mas, para variar, havia apenas carro de outra marca, claro, um velho Bugatti T51 particular nas mãos do “ás” local o conhecido piloto austro-iugoslavo Bosko Milenkovitch (ou Milenkovic).


Foto: Fim de uma era, mas os Bugattis nunca morrem: Apenas cinco carros largaram no GP de Belgrado de 1939, o último da Golden Era na Europa. Notem a largada no piso de paralelepípedos e trilhos de bonde como na Gávea. No grid de apenas cinco carros, com as filas do tipo “2-1-2”, vemos a Mercedes Benz W154 de Von Brauchtisch (nº 6) na “pole” tendo ao lado a de Lang/Baumer (nº 2).  Em seguida à direita o Auto Union tipo D de Muller. Não aparece na foto o Auto Union de Nuvolari (futuro vencedor) que estaria atrás e mais à direita de Muller largando da quarta posição.  Largando em quinto e último acima à esquerda o Bugatti T51 de Milenkovic, já parecendo “antiquado” em companhia das flechas prateadas do regulamento 1938-1939.


MASERATI

Durante a fase inicial da “Golden Era” a lendária firma bolonhesa (sim, até então com sede em Bolonha antes de se mudar para Modena) sempre foi uma líder na categoria de Voiturettes (1,5 litros com compressor) entre 1934 e 1937 com seus modelos 4CM e 6CM.  

Para a categoria principal (“Grand Prix”) no limite dos 750 kgs, a Maserati tinha seus 8C 3.000 e 8 CM de oito cilindros com compressor que embora competitivos tiveram que passar por um “emagrecimento para” a fórmula dos 750Kgs. Vários 8 CM mais antigos foram vistos nas provas da nova fórmula, mas paralelamente, a fábrica construiu o novo 6C 34 Grand Prix.


Foto: O Maserati 8C 3.000 foi sucessor das célebres Maserati da série 26 e tinha 8 cilindros em linha com 3 litros que tirava cerca de 225 HP. O 8C 3000 (ainda biposto) era um “irmão” maior das 8CM (monoposto). Com a 8C 3.000 Giuseppe Campari venceu o GP da França de 1933. O lendário e folclórico campeão italiano era conhecido por ser cantor de opera e gourmet nas horas vagas. Infelizmente faleceria poucos meses depois no GP de Monza do mesmo ano. As Maserati 8CM continuaram em ação e tiveram seu peso reduzido para se adequar à nova formula de 1934 com limite de 750 kgs, mas já sem o mesmo sucesso.

Mas logo ficou claro que o tanto o antigo 8CM como o novo 6C 34 não iam dar conta da oposição alemã e a Maserati partiu para um novo projeto com ajuda de seus benfeitores entre os quais Gino Rovere da Scuderia Subalpina resultando no novo Maserati V8-R1.


Foto: Luigi dito “Gino” Rovere titular da Scuderia Subalpina com o Maserati 6C 34 Grand Prix com 3,7 litros e compressor e 260/270 HP. Rovere daria um importante apoio financeiro à Maserati e seria um dos padrinhos da concepção do novo V-8 RI, para cujo volante escalou um de seus protegidos, o depois célebre “Nino” Farina.


No final de 1935 a Maserati contrapôs a ofensiva alemã nas pistas com seu sofisticado V-8-RI “Grand Prix” (RI para “ruote independenti”) com suspensão independente nas quatro rodas, formas aerodinâmicas e um V-8 de 4,7 litros e compressor com aprox. 320 HPs. Mas o carro se revelou problemático. Um dos seus poucos sucessos (na ausência dos alemães e dos Alfas da Scuderia Ferrari) foi no GP de Pau de 1936 (foto) no qual foi levado à vitória pelo grande campeão francês Philippe Etancelin. O carro inscrito como particular estava pintado no azul francês de corridas (Bleu France) e venceu face a uma oposição limitada.

Os irmãos Maserati (Ettore, Ernesto e Bindo) já estavam em dificuldades financeiras e iriam passar o controle para Adolfo Orsi em 1937, embora ainda se mantivessem à frente da engenharia da empresa por muitos anos após a troca de controle. 

Mas a Maserati não era uma força a ser descartada. Nessa primeira fase da Golden Era (1934-1937) a Maserati tentou ser competitiva com seus carros clássicos (8CM e 6C 34) e com uma proposta inovadora (V8-RI) sem grande sucesso. Com a mudança de regulamento em 1938 a firma italiana iria supreendentemente “dar o seu recado” com um novo modelo como veremos depois. Na categoria de cilindrada inferior (voiturettes) a Maserati foi sempre competitiva em todo o período. A firma bolonhesa foi mesclando as boas soluções técnicas encontradas tanto na categoria “Grand Prix” como na de “Voiturettes” para se fazer respeitada seja como equipe de fábrica como através de seus cada vez mais numerosos clientes particulares. 

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